quarta-feira, 30 de julho de 2014

TRAUMA TORÁCICO

UNIVERSIDADE JOSÉ DO ROSÁRIO VELLANO
TRAUMA TORÁCICO 
João Lage
Introdução (Manual ATLS)
O trauma torácico é uma causa importante de morte. Muitos doentes morrem após chegarem ao hospital, sendo que, muitas dessas mortes poderiam ser evitadas. Menos de 10% dos traumas contusos e menos de 15 a 30% dos traumas penetrantes exigem toracotomia.
A hipoxia, hipercapnia e acidose  são resultados frequentes de traumas torácicos. A hipóxia tecidual resulta de: 1) oferta inadequada de O2 aos tecidos devido à hipovolemia, 2) por alteração da relação ventilação/perfusão pulmonar (contusão, hematoma, colapso alveolar etc), 3) alterações nas relações pressóricas intratorácicas (pneumotórax hipertensivo, pneumotórax aberto etc).
A hipercapnia resulta de uma ventilação inadequada resultante de alterações nas pressões pressóricas intratorácicas e de um rebaixamento do nível de consciência. A acidose metabólica decorre hipoperfusão dos tecidos.
Avaliação primária no trauma torácico (Manual ATLS)
Via aérea: as lesões críticas que afetam a via aérea devem ser reconhecidas e abordadas durante a avaliação primária. A permeabilidade da via aérea e o fluxo de ar devem ser avaliados ouvindo-se o movimento do ar a nível do nariz, da boca e dos campos pulmonares. Inspecionar a orofaringe a procura de corpos estranhos e observando se há uso de musculatura acessória.
As lesões traumáticas na parte superior do tórax podem criar um defeito palpável na região da articulação esternoclavicular com luxação posterior da cabeça da clavícula causando obstrução da via aérea superior que pode ser percebida por rouquidão e/ou estridor.  O tratamento neste caso consiste em extensão dos ombros ou pinçamento da clavícula com material cirúrgico.
Respiração: o aumento da frequência respiratória e respiração superficial constituem evidências de hipoxia e lesões torácicas. A cianose é um sinal tardio de hipóxia no doente traumatizado. As principais lesões torácicas que afetam a ventilação e que devem ser reconhecidas e abordadas na avaliação primária incluem: 1) pneumotórax hipertensivo, 2) pneumotórax aberto (ferida torácica aspirativa), tórax instável (retalho costal móvel) e hemotórax maciço.
·         Pneumotórax hipertensivo: é quando ocorre a entrada de ar, que pode ser proveniente tanto do pulmão quando da cavidade torácica, no espaço pleural gerando compressão e colabamento do pulmão do lado afetado bem como compressão do pulmão contralateral. O sistema é do tipo válvula unidirecional, sendo que, o ar entra e não consegue sair. A causa mais comum é a ventilação mecânica com pressão positiva na vigência de lesão pleuropulmonar. Outras causas incluem: complicação de um pneumotórax simples devido a trauma penetrante ou fechado do tórax, tentativas mal direcionadas de acesso venoso central, curativo oclusivo. O diagnóstico é clínico e reflete ar sob pressão no espaço pleural. Os sintomas incluem: dor torácica, dispneia importante, desconforto respiratório, taquicardia, hipotensão, desvio da traqueia, ausência unilateral de murmúrio vesicular, distensão das veias do pescoço e cianose tardia. Tratamento: exige descompressão imediata e é tratado inicialmente pela rápida inserção de uma agulha de grosso calibre no segundo espaço intercostal na linha médioclavicular do hemitórax afetado (toracocentese com agulha). Essa manobra converte a lesão em um pneumotórax simples. O tratamento definitivo exige a inserção de um dreno no tórax no quinto espaço intercostal frequentemente na altura do mamilo.

·         Pneumotórax aberto: grandes ferimentos da parede torácica, que permanecem abertos resultam em um pneumotórax aberto também denominado ferida torácica aspirativa. Nestas condições o equilíbrio entre as pressões intratorácica e atmosférica é imediato. Se a abertura da parede torácica é de 2/3 do diâmetro da traqueia, nos esforços respiratórios o ar passa preferencialmente pela lesão da parede, pois tende a passar pelo local de menor resistência. Por isso, a ventilação efetiva é prejudicada, resultando em hipóxia e hipercapnia. Tratamento: inicialmente realiza-se o fechamento com um curativo estéril de três pontas posteriormente deve-se realizar o fechamento definitivo cirúrgico.
·         Tórax instável: ocorre quando um segmento da parede torácica não tem mais continuidade óssea com o resto da caixa torácica. Esta entidade geralmente é resultante de trauma que provoca múltiplas fraturas de costela. As maiores consequências provem da lesão do parênquima pulmonar subjacente. O paciente inspira com dificuldade e os movimentos respiratórios são assimétricos. Tratamento: corrigir hipoventilação, administrar oxigênio umidificado e fazer reposição volêmica. A terapia definitiva consiste em garantir oxigenação mais completa possível, administrar líquidos cautelosamente e fornecer analgesia para melhor a ventilação.
Circulação
·         Hemotórax maciço: o acúmulo de salgue e líquidos num hemotórax pode prejudicar de forma significativa o esforço respiratório, pela compressão do pulmão e o impecilho que a respiração se processe de forma adequada. A diferenciação de pneumotórax é feita pela percussão em que o timpanismo revela pneumotórax e a macicez revela um hemotórax. Resulta de um rápido acumulo de 1500ml de sangue , ou 1/3 ou mias do volume sanguíneo do paciente. Comumente é causado por traumas penetrantes, porem também pode ser resultante de um trauma contuso. Um hemitórax maciço é diagnosticado pela associação de choque com ausência de murmúrio vesicular e/ou macicez à percussão de um hemitórax. Tratamento: inicialmente realiza-se reposição volêmica e descompressão da cavidade torácica. Para tanto deve-se realizar rápido acesso venoso com cateter calibroso e infundir cristaloide aquecido à 39°C e assim que possível, administrar sangue específico. O sangue removido pelo dreno deve ser coletado em um dispositivo que permita autotransfusão. Se houver a saída imediata de 1500ml ou 200ml/h por 2 a 4h de sangue deve-se considerar a necessidade de uma toracotomia. 
·         Tamponamento cardíaco: resulta mais comumente de ferimento penetrantes. Porem, um trauma contuso também pode originar um derrame pericárdico. O saco pericárdico é uma estrutura inelástica e uma pequena quantidade de sangue é capaz de levar a um tamponamento. A clássica tríade diagnóstica de Beck consiste em elevação da pressão venosa, diminuição da pressão arterial e abafamento das bulhas cardíacas. Pode ocorrer pulso paradoxal (redução > 10mmHg da PA sistólica durante a inspiração). Atividade elétrica sem pulso (AESP) na ausência de hipovolemia e pneumotórax hipertensivo sugere tamponamento. O sinal de Kussmaul (aumento da pressão venosa na inspiração durante a respiração espontânea) sugere tamponamento cardíaco. Os métodos diagnósticos incluem o ecocardiograma, FAST e janela pericárdica.

Fatores diagnósticos de tamponamento cardíaco
·         Elevação da PVC
·         Diminuição da PA                                     TRIADE DE BECK
·         Abafamento das bulhas cardíacas
·         Pulso paradoxal
·         AESP na ausência de hipovolemia e pneumotórax hipertensivo
·         Sinal de Kussmaul
·         FAST e/ou Ecocardiograma revelando líquido no saco pericárdico.

Tratamento: A reposição de fluidos endovenosos aumenta a pressão venosa e melhora transitoriamente o débito cardíaco. Pode ser feito a pericardiocentese a janela pericárdica. Todos os pacientes com pericardiocentese positiva devem ser submetidos a toracotomia posterior para reparo da lesão. A toracotomia é também indicada em caso de AESP. Pacientes com AESP e trauma contuso não devem ser submetidos à toracotomia. Não se deve realizar qualquer esforço reanimatório em pacientes que não apresentam qualquer sinal de vida (reação pupilar, movimentos espontâneos ou atividade eletrocardiográfica organizada).

Manobras terapêuticas durante a toracotomia de reanimação
·         Evacuação de sangue contido no saco pericárdico e que está causando tamponamento
·         Controle direto da hemorragia intratorácica
·         Massagem cardíaca aberta
·         Clampamento da aorta descendente para reduzir as perdas sanguíneas abaixo do diafragma e para aumentar a perfusão do cérebro e coração.

Avaliação secundária do trauma torácico (Manual ATLS)

Inclui um exame físico adicional mais aprofundado, uma radiografia de tórax antero-posterior se a condição do paciente permitir, uma gasometria arterial, monitoração da oximetria de pulso e um ECG. As lesões a serem consideradas na avaliação secundária serão abordadas a seguir:

·         Pneumotórax simples: resulta da entrada de ar no espaço virtual entre a pleura visceral e parietal dificultando a taxa ventilação/perfusão. Pode se tornar hipertensivo se paciente for submetido à ventilação mecânica com pressão positiva. Tratamento: inserção de dreno de tórax no quarto ou quinto espaço intercostal, anteriormente à linha axilar média.
·         Hemotórax: é o acúmulo < 1500 ml de sangue cujas causas mais comuns são: laceração pulmonar ou a ruptura de um vaso intercostal ou da artéria mamária interna devido tanto a trauma penetrante quanto a trauma fechado. As fraturas e lesões de coluna torácica também podem levar a hemotórax. Geralmente é autolimitado e não necessita de tratamento específico. Caso seja agudo o suficiente para aparecer na radiografia torácica deve ser drenado por um dreno de grosso calibre. Sempre que ocorrer drenagem > 1500ml ou de 200ml/h por 2 a 4 horas deve-se proceder a abordagem cirúrgica.
·         Contusão pulmonar: pode ocorrer sem fratura de costelas e tórax instável, no entanto é a lesão torácica, potencialmente letal, mais comum. A insuficiência respiratória pode se instalar progressivamente e não imediatamente. Tratamento: os doentes com hipóxia significativa (pO2 < 65mmHg, SaO2 < 90%) devem ser intubados e ventilados já na primeira hora da lesão.
·         Lesões da árvore tráqueo-brônquica: a lesão da traqueia e/ou de um brônquio principal é uma lesão incomum e potencialmente fatal. O doente frequentemente apresenta hemoptise, enfisema subcutâneo ou pneumotórax hipertensivo com desvio do mediastino. Um pneumotórax associado a um grande vazamento de ar após a colocação de um dreno sugere lesão tráqueo-brônquica. A broncoscopia confirma o diagnóstico da lesão. A inserção de mais de um dreno pode ser necessária e a intubação seletiva do brônquio principal do pulmão oposto pode ser temporariamente necessária. Caso haja dificuldade expressiva no processo de intubação deve-se proceder diretamente com a cirurgia. Pacientes estáveis podem aguardar a resolução do processo inflamatório agudo e do edema local.
·         Contusão cardíaca: o trauma cardíaco fechado pode resultar em contusão do músculo cardíaco, ruptura de câmaras cardíacas, dissecção e /ou trombose das artérias coronárias ou laceração valvular. A ruptura da câmara cardíaca manifesta-se tipicamente por tamponamento cardíaco e deve ser reconhecida durante a avaliação primária. No caso de ruptura atrial os sintomas podem surgir lentamente sendo o FAST ideal para sua detecção precoce. Os pacientes podem queixar-se de desconforto torácico. O diagnóstico definitivo só é possível através da inspeção direta do miocárdio. As sequelas clinicamente importantes da contusão miocárdica são a hipotensão, arritmias ou anormalidades da motilidade da parede miocárdica vistas no ecocardiograma. Os achados eletrocardiográficos mais comuns são: extra-sístoles ventriculares múltiplas, taquicardia sinusal inexplicada, fibrilação atrial, bloqueio de ramo (geralmente direito) e alterações do segmento ST. A elevação da PVC sem causa evidente pode indicar lesão ventricular direita secundária a contusão. Os pacientes com contusão miocárdica diagnosticada devem ser monitorados por 24h devido ao risco de arritmias súbitas.
·         Ruptura traumática da aorta: é uma causa comum de morte súbita após colisões de automóveis ou quedas de grandes alturas. Os indivíduos que sofrem ruptura potencialmente tratável costumam ter uma ruptura incompleta perto do ligamento arterioso da aorta.
Achados radiográficos que sugerem lesão de grandes vasos
·         Alargamento do mediastino
·         Obliteração do cajado aórtico
·         Desvio da traqueia para direita
·         Rebaixamento do brônquio principal esquerdo
·         Elevação do brônquio principal direito
·         Apagamento da janela da artéria pulmonar
·         Desvio do esôfago para a direita
·         Alargamento da faixa paratraqueal
·         Presença de um derrame extrapleural apical
·         Hemotórax à esquerda
·         Fratura do primeiro e segundo arcos costais ou da escápula

A TC helicoidal do tórax deve ser utilizada corriqueiramente, pois os achados radiográficos do tórax não são confiáveis. Quando os resultados são equivocados deve-se proceder com a aortografia. Tratamento: pode ser tanto uma sutura primária da aorta como a ressecção da área traumatizada seguida pela interposição de enxerto.
·         Ruptura traumática de diafragma: a ruptura traumática do diafragma, é mais comumente diagnosticada do lado esquerdo, talvez porque o fígado oblitere o defeito ou proteja o lado direito do diafragma, enquanto o intestino, o estômago e a sonda nasogástrica sejam mais facilmente detectadas no lado esquerdo do tórax. O trauma fechado produz rupturas radiais que levam à herniação. O trauma penetrante produz perfurações pequenas que levam algum tempo para produzir hérnias diafragmáticas. O diagnóstico definitivo é feito por radiografia simples do tórax com ou sem sonda nasogástrica ou por estudo contrastado. Tratamento: sutura primária.
·         Ferimentos transfixantes do mediastino: podem lesar coração, grandes vasos, árvore tráqueo-brônquica ou esôfago. Diagnóstico pelo exame que mostra ferimento de entrada em um hemitórax e o de saída no hemitórax contra-lateral. Ou projétil em hemitórax contra-lateral ao orifício de entrada. Doente instável hemodinamicamente: drenagem torácica bilateral.  Enfisema mediastinal sugere lesão de esôfago ou árvore tráqueo-brônquica. Hematoma mediastinal ou extra-pleural apical sugere lesão traumática de grande vaso. Fazer exame neurológico, pois projétil pode atravessar a medula espinhal.  Doente estável: avaliar aortografia, esofagograma, broncoscopia e ecocardiograma e TC de tórax (avaliação do coração e pericárdio). Mortalidade global de 20%. 
·         Fratura esterno, costela e escápula: as costelas são o componente mais comumente afetado e levam a restrição dos movimentos devido a dor causando hipoxemia. A fratura das três primeiras costelas, esterno e escapula sugerem trauma de grande magnitude que podem inclusive colocar em risco cabeça, pescoço, medula espinha pulmão e grandes vasos. As fraturas de esterno e escapula sugerem lesão direta. As costelas intermediárias 4 a 9 sofrem a maioria dos traumas fechados. Geralmente rompem em sua porção média e aumentam a chance de perfuração das estruturas torácicas, bem como, formação de pneumotórax e hemotórax. A existência de traumas nas últimas costelas (10 a 12) deve aumentar a suspeita de trauma hepatoesplênico. O alívio da dor é importante para permitir a ventilação adequada, para tanto, podem ser necessários o bloqueio intercostal, anestesia peridural e a analgesia sistêmica.
Toracotomia no trauma de tórax (Trauma a Doença dos séculos – Evando Freire)
Os traumatismos torácicos são, em sua larga maioria, tratados por medidas simples conservadoras. Em apenas 15% dos casos há necessidade de toracotomia.
Toracotomia de reanimação: tem por objetivo principal a massagem cardíaca e o pinçamento da aorta, o que permite aumento do fluxo de sangue arterial para as artérias coronárias e cerebrais ao mesmo tempo. Os doentes para os quais essa toracotomia está indicada são aqueles que chegam em parada cardíaca ou que evoluem rapidamente para ela.
Toracotomia de emergência: os candidatos a este tipo são os hemodinamicamente instáveis. São aqueles em choque profundo. Não apresentam parada cardíaca.
Toracotomia de urgência: os doentes candidatos a este tipo são os hemodinamicamente estáveis. Neste existe tempo para realizar exames subdiários e, portanto, realizar o diagnóstico preciso.
Choque obstrutivo (Trauma a Doença dos séculos – Evando Freire e Revista AMIRGS)
Definição: se instala em decorrência de bloqueios mecânicos ao retorno do sangue ao coração ou à ejeção sistólica. A volemia, o tônus muscular e o coração estão funcionando normalmente, mas a eficiência cardíaca está diminuída pela redução do retorno venoso ou da ejeção sistólica. As principais causas são tromboembolia pulmonar, tamponamento cardíaco e pneumotórax hipertensivo, sendo os dois últimos mais correlacionados ao trauma.
Tratamento


(Retirado do artigo: Choque diagnóstico e tratamento na emergência – Revista da AMIRGS)

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