UNIVERSIDADE JOSÉ DO ROSÁRIO VELLANO
TRAUMA TORÁCICO
João Lage
Introdução (Manual ATLS)
O
trauma torácico é uma causa importante de morte. Muitos doentes morrem após
chegarem ao hospital, sendo que, muitas dessas mortes poderiam ser evitadas. Menos
de 10% dos traumas contusos e menos de 15 a 30% dos traumas penetrantes exigem
toracotomia.
A
hipoxia, hipercapnia e acidose são
resultados frequentes de traumas torácicos. A hipóxia tecidual resulta de: 1)
oferta inadequada de O2 aos tecidos devido à hipovolemia, 2) por alteração da
relação ventilação/perfusão pulmonar (contusão, hematoma, colapso alveolar
etc), 3) alterações nas relações pressóricas intratorácicas (pneumotórax
hipertensivo, pneumotórax aberto etc).
A
hipercapnia resulta de uma ventilação inadequada resultante de alterações nas
pressões pressóricas intratorácicas e de um rebaixamento do nível de
consciência. A acidose metabólica decorre hipoperfusão dos tecidos.
Avaliação primária no
trauma torácico (Manual ATLS)
Via aérea: as
lesões críticas que afetam a via aérea devem ser reconhecidas e abordadas durante
a avaliação primária. A permeabilidade da via aérea e o fluxo de ar devem ser
avaliados ouvindo-se o movimento do ar a nível do nariz, da boca e dos campos
pulmonares. Inspecionar a orofaringe a procura de corpos estranhos e observando
se há uso de musculatura acessória.
As
lesões traumáticas na parte superior do tórax podem criar um defeito palpável
na região da articulação esternoclavicular com luxação posterior da cabeça da
clavícula causando obstrução da via aérea superior que pode ser percebida por
rouquidão e/ou estridor. O tratamento
neste caso consiste em extensão dos ombros ou pinçamento da clavícula com
material cirúrgico.
Respiração: o
aumento da frequência respiratória e respiração superficial constituem
evidências de hipoxia e lesões torácicas. A cianose é um sinal tardio de
hipóxia no doente traumatizado. As principais lesões torácicas que afetam a
ventilação e que devem ser reconhecidas e abordadas na avaliação primária
incluem: 1) pneumotórax hipertensivo, 2) pneumotórax aberto (ferida torácica
aspirativa), tórax instável (retalho costal móvel) e hemotórax maciço.
·
Pneumotórax
hipertensivo:
é quando ocorre a entrada de ar, que pode ser proveniente tanto do pulmão
quando da cavidade torácica, no espaço pleural gerando compressão e colabamento
do pulmão do lado afetado bem como compressão do pulmão contralateral. O
sistema é do tipo válvula unidirecional, sendo que, o ar entra e não consegue
sair. A causa mais comum é a ventilação mecânica com pressão positiva na
vigência de lesão pleuropulmonar. Outras causas incluem: complicação de um
pneumotórax simples devido a trauma penetrante ou fechado do tórax, tentativas
mal direcionadas de acesso venoso central, curativo oclusivo. O diagnóstico é
clínico e reflete ar sob pressão no espaço pleural. Os sintomas incluem: dor
torácica, dispneia importante, desconforto respiratório, taquicardia,
hipotensão, desvio da traqueia, ausência unilateral de murmúrio vesicular,
distensão das veias do pescoço e cianose tardia. Tratamento: exige
descompressão imediata e é tratado inicialmente pela rápida inserção de uma
agulha de grosso calibre no segundo espaço intercostal na linha médioclavicular
do hemitórax afetado (toracocentese com agulha). Essa manobra converte a lesão
em um pneumotórax simples. O tratamento definitivo exige a inserção de um dreno
no tórax no quinto espaço intercostal frequentemente na altura do mamilo.
·
Pneumotórax
aberto: grandes
ferimentos da parede torácica, que permanecem abertos resultam em um
pneumotórax aberto também denominado ferida torácica aspirativa. Nestas
condições o equilíbrio entre as pressões intratorácica e atmosférica é
imediato. Se a abertura da parede torácica é de 2/3 do diâmetro da traqueia,
nos esforços respiratórios o ar passa preferencialmente pela lesão da parede,
pois tende a passar pelo local de menor resistência. Por isso, a ventilação
efetiva é prejudicada, resultando em hipóxia e hipercapnia. Tratamento: inicialmente
realiza-se o fechamento com um curativo estéril de três pontas posteriormente
deve-se realizar o fechamento definitivo cirúrgico.
·
Tórax
instável: ocorre
quando um segmento da parede torácica não tem mais continuidade óssea com o resto
da caixa torácica. Esta entidade geralmente é resultante de trauma que provoca
múltiplas fraturas de costela. As maiores consequências provem da lesão do
parênquima pulmonar subjacente. O paciente inspira com dificuldade e os
movimentos respiratórios são assimétricos. Tratamento: corrigir
hipoventilação, administrar oxigênio umidificado e fazer reposição volêmica. A
terapia definitiva consiste em garantir oxigenação mais completa possível,
administrar líquidos cautelosamente e fornecer analgesia para melhor a
ventilação.
Circulação
·
Hemotórax
maciço: o
acúmulo de salgue e líquidos num hemotórax pode prejudicar de forma
significativa o esforço respiratório, pela compressão do pulmão e o impecilho
que a respiração se processe de forma adequada. A diferenciação de pneumotórax
é feita pela percussão em que o timpanismo revela pneumotórax e a macicez
revela um hemotórax. Resulta de um rápido acumulo de 1500ml de sangue , ou 1/3
ou mias do volume sanguíneo do paciente. Comumente é causado por traumas
penetrantes, porem também pode ser resultante de um trauma contuso. Um
hemitórax maciço é diagnosticado pela associação de choque com ausência de
murmúrio vesicular e/ou macicez à percussão de um hemitórax. Tratamento: inicialmente
realiza-se reposição volêmica e descompressão da cavidade torácica. Para tanto
deve-se realizar rápido acesso venoso com cateter calibroso e infundir
cristaloide aquecido à 39°C e assim que possível, administrar sangue específico.
O sangue removido pelo dreno deve ser coletado em um dispositivo que permita
autotransfusão. Se houver a saída imediata de 1500ml ou 200ml/h por 2 a 4h de
sangue deve-se considerar a necessidade de uma toracotomia.
·
Tamponamento
cardíaco: resulta
mais comumente de ferimento penetrantes. Porem, um trauma contuso também pode
originar um derrame pericárdico. O saco pericárdico é uma estrutura inelástica
e uma pequena quantidade de sangue é capaz de levar a um tamponamento. A
clássica tríade diagnóstica de Beck consiste em elevação da pressão venosa,
diminuição da pressão arterial e abafamento das bulhas cardíacas. Pode ocorrer
pulso paradoxal (redução > 10mmHg da PA sistólica durante a inspiração).
Atividade elétrica sem pulso (AESP) na ausência de hipovolemia e pneumotórax
hipertensivo sugere tamponamento. O sinal de Kussmaul (aumento da pressão
venosa na inspiração durante a respiração espontânea) sugere tamponamento
cardíaco. Os métodos diagnósticos incluem o ecocardiograma, FAST e janela pericárdica.
Fatores
diagnósticos de tamponamento cardíaco
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Elevação da PVC
·
Diminuição da PA TRIADE
DE BECK
·
Abafamento das
bulhas cardíacas
·
Pulso paradoxal
·
AESP na ausência de hipovolemia e pneumotórax
hipertensivo
·
Sinal de Kussmaul
·
FAST e/ou Ecocardiograma revelando líquido no saco
pericárdico.
|
Tratamento: A reposição de fluidos endovenosos
aumenta a pressão venosa e melhora transitoriamente o débito cardíaco. Pode ser
feito a pericardiocentese a janela pericárdica. Todos os pacientes com
pericardiocentese positiva devem ser submetidos a toracotomia posterior para
reparo da lesão. A toracotomia é também indicada em caso de AESP. Pacientes com
AESP e trauma contuso não devem ser submetidos à toracotomia. Não se deve realizar
qualquer esforço reanimatório em pacientes que não apresentam qualquer sinal de
vida (reação pupilar, movimentos espontâneos ou atividade eletrocardiográfica
organizada).
Manobras terapêuticas durante a toracotomia de
reanimação
·
Evacuação de sangue contido no saco pericárdico e que
está causando tamponamento
·
Controle direto da hemorragia intratorácica
·
Massagem cardíaca aberta
·
Clampamento da aorta descendente para reduzir as perdas
sanguíneas abaixo do diafragma e para aumentar a perfusão do cérebro e
coração.
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Avaliação
secundária do trauma torácico (Manual ATLS)
Inclui um exame físico adicional mais
aprofundado, uma radiografia de tórax antero-posterior se a condição do
paciente permitir, uma gasometria arterial, monitoração da oximetria de pulso e
um ECG. As lesões a serem consideradas na avaliação secundária serão abordadas
a seguir:
·
Pneumotórax
simples: resulta
da entrada de ar no espaço virtual entre a pleura visceral e parietal
dificultando a taxa ventilação/perfusão. Pode se tornar hipertensivo se
paciente for submetido à ventilação mecânica com pressão positiva. Tratamento:
inserção de dreno de tórax no quarto ou quinto espaço intercostal,
anteriormente à linha axilar média.
·
Hemotórax: é o acúmulo < 1500 ml de sangue
cujas causas mais comuns são: laceração pulmonar ou a ruptura de um vaso
intercostal ou da artéria mamária interna devido tanto a trauma penetrante
quanto a trauma fechado. As fraturas e lesões de coluna torácica também podem
levar a hemotórax. Geralmente é autolimitado e não necessita de tratamento
específico. Caso seja agudo o suficiente para aparecer na radiografia torácica
deve ser drenado por um dreno de grosso calibre. Sempre que ocorrer drenagem
> 1500ml ou de 200ml/h por 2 a 4 horas deve-se proceder a abordagem cirúrgica.
·
Contusão
pulmonar: pode
ocorrer sem fratura de costelas e tórax instável, no entanto é a lesão
torácica, potencialmente letal, mais comum. A insuficiência respiratória pode
se instalar progressivamente e não imediatamente. Tratamento: os doentes
com hipóxia significativa (pO2 < 65mmHg, SaO2 < 90%) devem ser intubados
e ventilados já na primeira hora da lesão.
·
Lesões
da árvore tráqueo-brônquica: a
lesão da traqueia e/ou de um brônquio principal é uma lesão incomum e
potencialmente fatal. O doente frequentemente apresenta hemoptise, enfisema
subcutâneo ou pneumotórax hipertensivo com desvio do mediastino. Um pneumotórax
associado a um grande vazamento de ar após a colocação de um dreno sugere lesão
tráqueo-brônquica. A broncoscopia confirma o diagnóstico da lesão. A inserção
de mais de um dreno pode ser necessária e a intubação seletiva do brônquio
principal do pulmão oposto pode ser temporariamente necessária. Caso haja
dificuldade expressiva no processo de intubação deve-se proceder diretamente
com a cirurgia. Pacientes estáveis podem aguardar a resolução do processo
inflamatório agudo e do edema local.
·
Contusão
cardíaca: o
trauma cardíaco fechado pode resultar em contusão do músculo cardíaco, ruptura
de câmaras cardíacas, dissecção e /ou trombose das artérias coronárias ou
laceração valvular. A ruptura da câmara cardíaca manifesta-se tipicamente por
tamponamento cardíaco e deve ser reconhecida durante a avaliação primária. No
caso de ruptura atrial os sintomas podem surgir lentamente sendo o FAST ideal
para sua detecção precoce. Os pacientes podem queixar-se de desconforto
torácico. O diagnóstico definitivo só é possível através da inspeção direta do
miocárdio. As sequelas clinicamente importantes da contusão miocárdica são a
hipotensão, arritmias ou anormalidades da motilidade da parede miocárdica
vistas no ecocardiograma. Os achados eletrocardiográficos mais comuns são: extra-sístoles
ventriculares múltiplas, taquicardia sinusal inexplicada, fibrilação atrial,
bloqueio de ramo (geralmente direito) e alterações do segmento ST. A elevação
da PVC sem causa evidente pode indicar lesão ventricular direita secundária a
contusão. Os pacientes com contusão miocárdica diagnosticada devem ser
monitorados por 24h devido ao risco de arritmias súbitas.
·
Ruptura
traumática da aorta:
é uma causa comum de morte súbita após colisões de automóveis ou quedas de
grandes alturas. Os indivíduos que sofrem ruptura potencialmente tratável
costumam ter uma ruptura incompleta perto do ligamento arterioso da aorta.
Achados
radiográficos que sugerem lesão de grandes vasos
·
Alargamento do mediastino
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Obliteração do cajado aórtico
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Desvio da traqueia para direita
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Rebaixamento do brônquio principal esquerdo
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Elevação do brônquio principal direito
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Apagamento da janela da artéria pulmonar
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Desvio do esôfago para a direita
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Alargamento da faixa paratraqueal
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Presença de um derrame extrapleural apical
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Hemotórax à esquerda
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Fratura do primeiro e segundo arcos costais ou da
escápula
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A
TC helicoidal do tórax deve ser utilizada corriqueiramente, pois os achados
radiográficos do tórax não são confiáveis. Quando os resultados são equivocados
deve-se proceder com a aortografia. Tratamento: pode ser tanto uma
sutura primária da aorta como a ressecção da área traumatizada seguida pela
interposição de enxerto.
·
Ruptura
traumática de diafragma: a
ruptura traumática do diafragma, é mais comumente diagnosticada do lado
esquerdo, talvez porque o fígado oblitere o defeito ou proteja o lado direito
do diafragma, enquanto o intestino, o estômago e a sonda nasogástrica sejam
mais facilmente detectadas no lado esquerdo do tórax. O trauma fechado produz
rupturas radiais que levam à herniação. O trauma penetrante produz perfurações
pequenas que levam algum tempo para produzir hérnias diafragmáticas. O
diagnóstico definitivo é feito por radiografia simples do tórax com ou sem
sonda nasogástrica ou por estudo contrastado. Tratamento: sutura
primária.
·
Ferimentos
transfixantes do mediastino: podem
lesar coração, grandes vasos, árvore tráqueo-brônquica ou esôfago. Diagnóstico
pelo exame que mostra ferimento de entrada em um hemitórax e o de saída no
hemitórax contra-lateral. Ou projétil em hemitórax contra-lateral ao orifício
de entrada. Doente instável hemodinamicamente: drenagem torácica
bilateral. Enfisema mediastinal sugere
lesão de esôfago ou árvore tráqueo-brônquica. Hematoma mediastinal ou extra-pleural
apical sugere lesão traumática de grande vaso. Fazer exame neurológico, pois
projétil pode atravessar a medula espinhal.
Doente estável: avaliar aortografia, esofagograma, broncoscopia e
ecocardiograma e TC de tórax (avaliação do coração e pericárdio). Mortalidade
global de 20%.
·
Fratura
esterno, costela e escápula: as
costelas são o componente mais comumente afetado e levam a restrição dos
movimentos devido a dor causando hipoxemia. A fratura das três primeiras
costelas, esterno e escapula sugerem trauma de grande magnitude que podem
inclusive colocar em risco cabeça, pescoço, medula espinha pulmão e grandes
vasos. As fraturas de esterno e escapula sugerem lesão direta. As costelas intermediárias
4 a 9 sofrem a maioria dos traumas fechados. Geralmente rompem em sua porção
média e aumentam a chance de perfuração das estruturas torácicas, bem como,
formação de pneumotórax e hemotórax. A existência de traumas nas últimas
costelas (10 a 12) deve aumentar a suspeita de trauma hepatoesplênico. O alívio
da dor é importante para permitir a ventilação adequada, para tanto, podem ser
necessários o bloqueio intercostal, anestesia peridural e a analgesia
sistêmica.
Toracotomia no trauma de
tórax (Trauma a Doença dos séculos – Evando Freire)
Os
traumatismos torácicos são, em sua larga maioria, tratados por medidas simples
conservadoras. Em apenas 15% dos casos há necessidade de toracotomia.
Toracotomia de reanimação: tem por objetivo principal a massagem
cardíaca e o pinçamento da aorta, o que permite aumento do fluxo de sangue
arterial para as artérias coronárias e cerebrais ao mesmo tempo. Os doentes
para os quais essa toracotomia está indicada são aqueles que chegam em parada
cardíaca ou que evoluem rapidamente para ela.
Toracotomia de emergência: os candidatos a este tipo são os
hemodinamicamente instáveis. São aqueles em choque profundo. Não apresentam
parada cardíaca.
Toracotomia de urgência: os doentes candidatos a este tipo são
os hemodinamicamente estáveis. Neste existe tempo para realizar exames subdiários
e, portanto, realizar o diagnóstico preciso.
Choque obstrutivo
(Trauma a Doença dos séculos – Evando Freire e Revista AMIRGS)
Definição: se
instala em decorrência de bloqueios mecânicos ao retorno do sangue ao coração ou
à ejeção sistólica. A volemia, o tônus muscular e o coração estão funcionando
normalmente, mas a eficiência cardíaca está diminuída pela redução do retorno
venoso ou da ejeção sistólica. As principais causas são tromboembolia pulmonar,
tamponamento cardíaco e pneumotórax hipertensivo, sendo os dois últimos mais
correlacionados ao trauma.
Tratamento
(Retirado do artigo: Choque
diagnóstico e tratamento na emergência – Revista da AMIRGS)
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