segunda-feira, 15 de outubro de 2012

DIABETES

GT3: Diabetes Mellitus

Autor: João Maximiano

Faculdade de ciências médicas UNIFENAS-BH

Diabetes melito (conceito): refere-se a um grupo de distúrbios metabólicos comuns que compartilham o fenótipo da hiperglicemia. Existem vários tipos distintos de DM que são causados por uma interação complexa de fatores genéticos e ambientais.
Classificação: inclui quatro classes principais:
·         Diabetes tipo 1 – relativo à destruição das células β do pâncreas levando à deficiência absoluta de insulina.
·         Diabetes tipo 2 – relativo à um defeito progressivo na secreção de insulina juntamente à um aumento na resistência a este hormônio.
·         Outros tipos específicos de diabetes como causa de uma disfunção genética das células β, defeito genético na ação da insulina, doenças do pâncreas exócrino como a fibrose cística, ou sob efeito de drogas ou agentes químicos (tratamento da AIDS ou após transplante de órgãos).
·         Diabetes melito gestacional – desenvolvida durante à gravidez tem como base resistência à insulina.
Secreção de insulina
A glicose é o principal estimulante na secreção de insulina bastando valores sanguíneos superiores à 70mg/dL para ocorrer a estimulação. A estimulação ocorrerá nos seguintes passos:
1)    A glicose (>70mg/dL) se ligará a receptores GLUT2 presentes nas células β-pancreáticas sendo endocitada para o interior da célula.
2)    A glicose será fosforilada pela enzima glicoquinase em glicose-6-fosfato impedindo seu retorno ao interstício.
3)    A glicose-6-fosfato recém formada será metabolizada produzindo ATP.
4)    O ATP levará ao fechamento dos canais K+ ocasionando a despolarização da membrana celular.   
5)    A despolarização da membrana celular ocasionará a abertura dos canais Ca2+ voltagem-dependentes levando ao influxo de Ca2+.
6)    O Ca2+ levará a infusão dos grânulos de insulina na membrana celular causando sua exocitose (secreção).

Obs. Existem peptídeos denominados incretinas, liberados pelas células neuroendócrinas do trato gastrointestinal no momento da alimentação, que amplificam a liberação de insulina.

Ação da insulina
A insulina se liga ao seu receptor na célula alvo levando à auto-fosforilação deste receptor que, por sua vez, recruta moléculas sinalizadoras intracelulares tais como os substratos do receptor de insulina (IRS). Tais substratos iniciam uma complexa cascata de fosforilações que culminará no acoplamento de receptores GLUT na membrana celular permitindo a entrada de glicose. Outros efeitos notáveis da insulina mediados por segundos mensageiros constituem na indução da glicogênese, síntese de proteínas, lipogênese etc.


Diabetes melito tipo 1
Resulta da interação de fatores genéticos, ambientais e imunológicos que acabam acarretando a destruição das células β, assim como uma deficiência de insulina. Esta destruição de células β ocorre por um processo auto-imune derivado de uma predisposição genética e desencadeado por uma ocasião na qual a demanda de insulina se torna maior, por exemplo: na puberdade ou em infecções.


Fisiopatologia
No processo de destruição auto-imune, excetuando as células β,  não ocorrerá destruição das outras células do pâncreas endócrino. Do ponto de vista patológico, as ilhotas pancreáticas são infiltradas com linfócitos (em um processo denominado insulite). Após a destruição das células β, o processo inflamatório se enfraquece, as ilhotas tornam-se atróficas e a maioria dos marcadores imunológicos desaparece. As anormalidades incluem:
·         Auto-anticorpos para a célula insular
·         Linfócitos ativados nas ilhotas, nos linfonodos peripancreáticos e na circulação sistêmica.
·         Linfócitos T que proliferam quando estimulados por proteínas das ilhotas
·         Liberação de citocinas dentro da insulite.
As células β-pancreáticas parecem ser mais susceptíveis à destruição na presença das seguintes citocinas: 1) TGF-α, 2) interferón γ e 3) IL-1.
A destruição é mediada por Linfócitos T e não pelos auto-anticorpos insulares, uma vez que, esses anticorpos não reagem com a superfície das células pancreáticas.
As moléculas das ilhotas que funcionam como alvo para o processo auto-imune incluem:
·         Insulina
·         Ácido glutâmico
·         Descarboxilase
·         Fogrina
·          
As células β de um indivíduo normal não diferem das células de um indivíduo com DM pois quando transplantadas sofrem destruição equivalente.
Marcadores imunológicos: os auto-anticorpos para as células das ilhotas (ICA) são uma combinação de diferentes anticorpos dirigidos para as moléculas das ilhotas pancreáticas, tais como GAD, insulina e IA-2/ICA-512, e funcionam como um marcador do processo auto-imune do DM tipo 1.  

Diabetes tipo 2
A resistência à insulina e sua secreção de maneira anormal são fundamentais para o surgimento do diabetes tipo 2. Presume-se que um aumento na resistência à insulina precede a alteração na secreção deste hormônio, mas apenas quando esta secreção se torna anômala é que se instala o diabetes.
Fisiopatologia
O DM tipo 2 caracteriza-se por:
·         Menor secreção de insulina
·         Produção hepática excessiva de glicose
·         Metabolismo anormal de gorduras
Ø  Inicio do distúrbio: a tolerância à glicose continua sendo quase normal, não obstante a resistência à insulina, pois as células β-pancreáticas realizam uma compensação aumentando a produção de insulina.
Ø  Fase intermediária: com a progressão da hiperinsulinemia compensatória, as ilhotas pancreáticas tornam-se incapazes de preservar o estado hiperinsulinêmico instalando-se uma tolerância à glicose diminuída (TGD), caracterizada por elevações da glicose pós-prandial.
Ø  Fase final: um declínio adicional na secreção de insulina e um aumento na produção hepática de glicose resultam em diabetes manifesto com hiperglicemia de jejum. Finalmente pode ocorrer falência das células β-pancreáticas.
Anormalidades metabólicas no DM tipo 2:
A resistência à insulina constitui uma característica proeminente do DM tipo 2 e resulta de uma combinação de susceptibilidade genética e obesidade. A resistência a insulina prejudica a utilização da glicose pelos tecidos sensíveis à insulina e aumenta a produção hepática de glicose. O maior débito hepático de glicose é responsável pelos maiores níveis de glicose plasmática em jejum (GJP), enquanto que a menor utilização periférica de glicose resulta em hiperglicemia pós-prandial.
O mecanismo molecular que resulta em resistência à insulina no DM tipo 2 incluí:
·         Reduzidos números de receptor e da tiroquinase (causa menos influente).
·         Defeitos pós-receptor, ou seja, na fosforilação/desfosforilação regulados pela insulina (defeito mais influente) ex: uma PI-3-quinase sinalizadora com defeito pode reduzir a translocação de GLUT4 para a membrana plasmática.
Outros anormalidades incluem acumulo de lipídeos no interior dos miocitos devido à baixa oxidação dos ácidos graxos, podendo gerar espécimes reativas de oxigênio, tais como peróxidos lipídicos.
Convém ressaltar que nem todas as vias de transdução dos sinais para a insulina são resistentes aos efeitos da insulina (ex: aqueles que controlam o crescimento e diferenciação celular). Consequentemente a hiperinsulinemia compensatória pode exarcebar a ação da insulina por meio dessas vias, acelerando potencialmente as condições relacionadas com o diabetes, tais como aterosclerose.  
A obesidade que acompanha a insulina principalmente a relacionada à um índice cintura quadril (ICQ) elevado, sustenta as seguintes diretrizes:
·         As células adiposas passam a secretar maior quantidade de adipocinas (ácidos graxos não-esterificados, proteína 4 fixadora do retinol, leptina, FNT-α, resistina e adiponectina) que são responsáveis por aumentar a resistência à insulina.
·         Ácidos graxos livres prejudicam a utilização de glicose no músculo esquelético, promovem a produção de glicose pelo fígado e afetam a função das células β.
·         A produção pelos adipócitos de adiponectina, um sensibilizador da insulina, é reduzida na obesidade contribuindo para a resistência à insulina.
·         Os produtos dos adipócitos produzem um estado inflamatório que podem contribuir para a destruição das células β.,
Maior produção hepática de glicose e lipídeos: a resistência à insulina reflete a incapacidade de suprimir a gliconeogênese e de provocar a glicogenese, com isso ocorrerá uma maior produção hepática de glicose.
A resistência à insulina e a obesidade aumentam os ácidos graxos livres aumentando a produção de lipídeos no fígado podendo gerar uma esteatose hepática não-alcoolica. Uma das consequência é a produção aumentada de lipoproteínas como o VLDL e de triglicérides o que pode acarretar no desenvolvimento de dislipidemias tão frequentes no DM tipo 2.
Complicações agudas do DM
·         Cetoacidose diabética (CAD): os sinais e sintomas do CAD normalmente se instalam em um período de 24 h, podendo ser um complexo sintomático inicial que dá origem ao diagnóstico de DM tipo 1, porém ocorre mais frequentemente em indivíduos com diabetes já estabelecido.
ü  Náuseas e vômitos
ü  Dor abdominal intensa semelhante à da pancreatite aguda ou de ruptura visceral.
ü  A hiperglicemia resulta em glicosuria, depleção volêmica e taquicardia.
ü  A depleção volêmica + vasodilatação periférica = hipotensão.
ü  Bafo cetônico
ü  Respiração de Kussmaul secundária à acidose metabólica.
ü  Letargia e depressão do SNC com possível evolução para coma.
ü  Edema cerebral mais comum em crianças
A Cetose resulta de um aumento acentuado na liberação de ácidos graxos livres pelos adipócitos, com um desvio resultante na direção da síntese de corpos cetônicos no fígado.
·         Estado hiperosmolar hiperglicêmico (EHH)
O paciente protótipo com EHH é um indivíduo idoso com DM tipo, com uma história de varias semanas de poliúria, perda de peso e ingestão oral reduzida que culmina em confusão mental, letargia ou coma. O EHH é observado principalmente em indivíduos com diabetes tipo 2.
ü  Desidratação profunda
ü  Hiperosmolaridade
ü  Hipotensão
A hiperglicemia induz uma diurese osmótica que acarreta depleção do volume intravascular, que será exacerbada por uma reposição adequada de líquidos.
Complicações crônicas do DM: O risco de complicações crônicas aumenta como uma função da duração da hiperglicemia, como em muitos casos o DM tipo 2 comporta-se assintomaticamente os indivíduos com essa patologia desenvolvem as complicações na mesma época em que é feito o diagnóstico.
As complicações podem ser divididas em: 1)vasculares e 2) não vasculares. As vasculares ainda são subdivididas em: 1) microvasculares e 2) macrovasculares.
DM como fator de risco cardiovascular
Em geral pacientes com DM tipo 1 não apresentam dislipidemias se tiverem um bom controle da glicemia.  Os pacientes com o tipo 2, por sua vez, costumam apresentar dislipidemia, mesmo se tiverem um controle efetivo da glicemia. Os níveis elevados de insulina , bem como, a resistência à este hormônio tem múltiplos efeitos sobre o metabolismo dos lipídios que incluem: 1) diminuição da atividade da LPL, resultando na redução do catabolismo dos quilomicrons e do VLDL, 2) aumento na liberação de ácidos graxos livres pelo tecido adiposo, 3) aumento da síntese de ácidos graxos no fígado e 4) aumento na produção hepática de VLDL. Pacientes com DM tipo 2 normalmente apresentam níveis elevados de VLDL, LDL e níveis reduzidos de HDL.
Critérios diagnósticos de diabetes melito
Critérios para o diagnóstico de diabetes melito
A1C ≥ 6,5%.
GPJ ≥ 126 mg/dL jejum de 8h
Teste de tolerância à glicose (TOTG) após 2h de ingestão de 75g de glicose anidra dissolvida em água com resultado≥ 200mg/dL
Em pacientes com sintomas e sinais clínicos típicos de hiperglicemia (poliúria, polidipsia e polifagia) realizar um exame de glicemia aleatório e diagnosticar DM em caso de glicose ≥ 200mg/dL.

GPJ em mg/dL – 8h
Classificação
< 100mg/dL
Normal
100 – 125mg/dL
Pré-diabetes
≥126mg/dL
DM

Níveis plasmáticos em mg/dL após 2h do TOTG
Classificação
140-199mg/dL
Pré-diabetes
≥200mg/dL
DM

A1C                                                            5,7 – 6,4%          Pré-diabético

Pré-diabetes: indivíduos com TGD (tolerância a glicose diminuída) e/ou GJA (glicose de jejum alterada) designada recentemente como pré-diabetes correm um risco substancial de virem a desenvolver DM tipo 2(25 a 40% nos próximos 5 anos)  e correm também maior risco de desenvolverem DCV.

Tratamento não farmacológico do DM
a)    Terapia nutricional (TNM): pacientes com pré-diabetes ou DM devem receber de forma individualizada uma terapia médica nutricional, de preferência acompanhada por um nutricionista, com intuito de alcançarem o sucesso terapêutico.
o   É recomendada a perda de peso para todos os indivíduos com sobrepeso ou obesos que são pré-diabéticos ou diabéticos;
o    Dieta com baixo teor de carboidratos e gorduras, dando preferências às gorduras monoinsaturadas.
o   Em pacientes com dieta com baixos teores de carboidrato, monitorar o perfil lipídico, função renal, e proteínas de entrada ajustando a terapia hipoglicêmica conforme o necessário.
a.1) Terapia nutricional primária: neste caso o foco é a prevenção do desenvolvimento do DM tipo 2 em pacientes com alto risco de desenvolver esta doença, o que inclui obesos e pré-diabéticos focando a redução ponderal de peso.
o   Recomenda-se a perda de peso em 7% da massa corporal, a pratica de 150 minutos semanais de exercício físico, reduzindo o consumo de gorduras e de calorias em geral.
o   Estes pacientes devem ser encorajados a ingerir em média 14g de fibras solúveis para cada 1000Kcal e implementar o consumo de cereais.
o   Limitar a ingestão de bebidas adoçadas com açúcar.
a.2) Terapia nutricional secundária: neste caso a terapia visa a manutenção dos níveis glicêmicos em pacientes que já desenvolverão o DM.
O objetivo da TNM no indivíduo com DM tipo 1 consiste em coordenar e equilibrar a ingestão calórica, em termos temporais e quantitativos, com a quantidade apropriada de insulina. A TNM no DM tipo 1 e o auto-monitoramento da glicose sanguínea devem ser integrados de forma a definir o esquema ótimo de insulina.
Os objetivos no DM tipo 2 são ligeiramente diferentes e enfocam a prevalência grandemente aumentada de fatores de risco cardiovasculares (hipertensão, dislipidemia e obesidade). Sendo assim, a perda de peso é enfaticamente encorajada, bem como, as dietas hipocalóricas.
O consumo de fibras solúveis pode aprimorar o controle glicêmico nos indivíduos com DM tipo 2.
Tabela – Metas no tratamento de adultos com DM
Tipo
Níveis plasmáticos
A1C
<7,0%
Glicose plasmática capilar pré-prandial
70 a 130 mg/dL
Glicose plasmática capilar pós-prandial
<180mg/dL

b)    Exercício físico: no exercício comporta inúmeros benefícios positivos, incluindo redução do risco cardiovascular, queda da P.A, manutenção da massa muscular, redução da gordura corporal e perda de peso. Na DM ainda é útil para reduzir a glicemia plasmática (durante e após o exercício) e aumentar a sensibilidade à insulina.

Para evitar a hiperglicemia e hipoglicemia relacionadas ao exercício físico, os indivíduos com DM tipo 1 deveriam:
·         Monitorar a glicose sanguínea antes, durante e após o exercício;
·         Protelar o exercício se a glicose sanguínea for > 250mg/dL assim como na presença de cetonas
·         Ingerir carboidratos antes de se exercitar caso a glicose sanguínea seja < 100mg/dL
·         Monitorar a glicose durante o exercício e ingerir carboidratos para evitar a hipoglicemia
·         Reduzir as doses de insulina antes do exercício e injetar insulina em uma área que não está sendo exercitada
·         Ensinar aos indivíduos as respostas da glicose aos diferentes tipos de exercício e aumentar a ingestão de alimentos por até 24h pós exercício, dependendo da intensidade e duração deste exercício.


Monitoramento do nível de controle glicêmico
·         Deve ser realizada de 3 a mais vezes ao dia em pacientes que utilizem múltiplas injeções de insulina ou realizem terapia com bomba de insulina.
·         Para pacientes com uso menos frequente de insulina, tratamento não-insulinico ou TNM isolada o monitoramento é útil para a gestão do quadro glicêmico.
·         O A1C deve ser feito para avaliar o controle glicêmico a longo prazo, sendo recomendada sua utilização 2 vezes por ano em indivíduos com DM controlado.




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