Autor: João Maximiano
FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA NO IDOSO
Farmacocinética
1)
Absorção:
depende
de fatores extrínsecos modificáveis e de fatores intrínsecos relacionados à
anatomia e fisiologia do sítio de absorção relacionados à dinâmica do envelhecimento. As alterações da
absorção no envelhecimento são específicas para cada idoso não devendo ser
generalizadas como um fato imprescindível.
·
Mucosa
oral: apresenta vantagens como a entrada direta na circulação sistêmica
sem transposição do TGI e da primeira passagem hepática. Essa via é muito mais
confortável e conveniente do que outras formas de administração, notadamente em
medicamentos cardiovasculares, analgésicos e psicofármacos. Problemas da terceira idade como disgeusia
(distorções ou diminuição do paladar), xerostomia (déficit de saliva) e atrofia
da mucosa oral podem levar a alterações na absorção de medicamentos de uso bucal ou sublingual.
·
Gastrointestinal:
o
idoso tem um aumento do pH gástrico ,
provocado pela diminuição da produção de
HCl. Isso interfere na ionização e solubilidade de certos medicamentos como:
cetoconazol, amplicina e ferro. A idade
diminui a motilidade gastrointestinal, podendo, dessa forma,prolongar o tempo
de absorção e/ou aumentar a degradação de medicamentos pelo HCl. Ocorre ainda redução a redução na
superfície da mucosa gastrointestinal e de seu fluxo sanguíneo e da circulação esplâncnica,
retardando assim a absorção de vários fármacos. Não ocorre alteração significativa
na absorção de medicamentos na via
intestinal, porém vitamina B12, glicose e cálcio tem sua absorção
comprometida.
Ocorre diminuição do efeito
da primeira passagem hepática interferindo e aumentando biodisponibilidade do
fármaco.
·
Via
intramuscular: idosos com limitações físicas importantes,
sequelas, atrofias musculares ou com síndrome do imobilismo apresentam
normalmente menor massa e vascularização muscular.
·
Via
conjuntiva: pode estar comprometida pela baixa perfusão
ocular.
2) Distribuição: com relação às proteínas plasmáticas: a
distribuição de grande parte dos fármacos se dá por ligação à duas proteínas
plasmáticas – a albumina e a α1 glicoproteína ácida. O envelhecimento quando
associado à quadros de fragilidade e desnutrição, pode levar à queda da
albumina sérica em até 25% resultando no aumento da fração livre de fármacos.
Já a α1 glicoproteína ácida, marcador de doença inflamatória crônica, mostra
elevação com o avançar da idade e pode indicar redução na fração livre em até
40%.
Com
relação à composição corporal: A massa de gordura sofre um
aumento de 20 a 40%, ao passo que a massa hídrica é reduzida em até 15%. Dessa
forma, fármacos hidrofílicos, podem apresentar volume de distribuição reduzidos
e concentração plasmática aumentada, ao passo que o volume de distribuição de
fármacos lipofílicos mostra-se elevado.
3) Metabolismo: o
envelhecimento leva à redução da massa total hepática em 20 a 30% e do fluxo
sanguíneo hepático em 20 a 50%, com consequente aumento da concentração sérica
de fármacos fluxo dependentes.
Com
o passar da idade ocorre comprometimento da fase 1 da biotransformação (ver
quadro abaixo sobre fases da biotransformação) levando ao aumento da
concentração sérica dos fármacos. Tal comprometimento ocorre devido à
deficiência na atividade do CyP450. Quadros de fragilidade, desnutrição,
multimorbidades e tabagismo também podem influir no metabolismo hepático.
4) Excreção:
nos rins perdem até 30% de seu peso entre os 30 e 90 anos, o que reflete a
perda de 60% dos glomérulos, além de atrofia tubular renal, fibrose
intersticial a arteriosclerose. Desse modo, a TFG e o fluxo renal estão
diminuídos. Devido a estas alterações um indivíduo pode apresentar até 40 a 50%
da função renal, levando à um efeito prolongado dos fármacos de excreção renal,
cuja eliminação mostra-se reduzida.
Portanto, é necessário ajustar a dose dos medicamentos de eliminação
renal através da fórmula para o cleareance
de creatinina de Cockroft e Gault, 1976.
Farmacodinâmica
1)
Alterações
em mecanismos homeostáticos: alterações orgânicas como:
·
Redução do fluxo sanguíneo renal pela
aterosclerose pode modificar a sensibilidade a fármacos de ação central, como
antidepressivos e benzodiazepínicos.
·
Redução do reflexo barorreceptor pode
desencadear hipotensão postural induzida por anti-hipertensivos.
·
Alterações da termorregulação próprias da
idade avançada podem estar relacionada à hipotermia induzida por medicamentos.
·
Menor sensibilidade do sistema nervoso
autônomo que possibilita o desenvolvimento frequente de distúrbios de controle
pressórico, vesical e intestinal.
·
Distúrbio cognitivos relacionados a quadros
demenciais e depressivos podem progredir a delirium
mediante administração medicamentosa.
·
A imunossenescência interfere na imunidade
celular.
·
Alterações metabólicas aumentam a
intolerância à glicose.
2)
Mudanças
em receptores e sítios de ação: alterações em receptores
GABA, alfa e beta adrenérgicos, muscarínicos e renais do paratormônio. Essa
diminuição desses receptores estaria associada às diferentes respostas
apresentadas pelos idosos a medicamentos como vitamina D, benzodiazepínicos e
anticolinérgicos em geral.
Iatrogenia medicamentosa e
racionalização da prescrição
Para
minimizar a possibilidade de iatrogenia é essencial conhecer os principais
obstáculos à racionalização da prescrição: polifármacia, prescrição
inapropriada e a subtilização de medicamentos.
a)
Polifarmácia:
corresponde
ao uso contínuo de 5 ou mais medicamentos.
Há indicação para o
medicamento?
|
|
O medicamento é efetivo
para a doença?
|
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A dose está correta?
|
|
A orientação ao paciente
está correta?
|
|
A orientação ao paciente é
pratica?
|
|
Há interações com outros
medicamentos?
|
|
Há interações com outras
doenças?
|
|
Há duplicidade
terapêutica?
|
|
A duração proposta da
terapia é adequada?
|
|
Há alguma opção
terapêutica de menor custo?
|
|
Fatores
associados à utilização de vários medicamentos
|
|
Múltiplos prescritores
|
|
Surgimentos de novas opções
farmacológicas para doenças crônicas
|
|
Estabelecimento de
conceitos de novas doenças
|
|
Registro inadequado ou
incompleto dos medicamentos em uso
|
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Restrição de tempo para
adequação do esquema terapêutico
|
|
Intensas estratégias de
marketing da industria terapêutica
|
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Produção de conhecimento
cientifico exagerado e desproporcional em relação aos benefícios em
detrimento dos riscos
|
|
Estabelecimento de
diretrizes com o uso de múltiplos medicamentos
|
b)
Prescrição
inapropriada: é definida como aquela em que o risco de
complicações supera os eventuais benefícios. Pode-se caracterizar pelo uso de
medicamentos considerados inapropriados, principalmente os que apresentam
meia-vida longa e faixa terapêutica estreita, ou seja, as concentrações séricas
tóxicas e terapêuticas são muito próximas, pelo emprego de doses e interações
inapropriadas.
Efeitos
anticolinérgicos sobre diversos sistemas
|
||
Local
|
Efeito
|
Consequência
|
Secreções
|
Inibe secreções lacrimais,
salivares, brônquicas e sudoríparas.
|
Boca seca, aumento da temperatura
corporal.
|
Cardiovascular
|
Bloqueio dos receptores
musculares cardíacos
|
Taquicardia
|
Efeito central
|
Bradicardia paradoxal
|
|
Oculares
|
Midriase,
paralisia da acomodação do olho (cicloplegia) e aumento da pressão
intraocular.
|
Glaucoma.
|
TGI
|
Reduz
a motilidade e a secreção de HCl
|
Constipação
|
Musculatura
lisa
|
Relaxamento
brônquico, bexiga e biliar.
|
Retenção
urinária
|
SNC
|
Diminuição
da dose
|
Inquietação
|
Aumento
da dose
|
Agitação/desorientação
|
c)
Subutilização
de medicamentos: situações clássicas em que há maior risco de
subutilização de medicamentos são:
·
Diabetes melito associado à proteinúria e
insuficiência cardíaca: considerar uso de inibidores da enzima conversora.
·
Fibrilação atrial: indicação para
anticoagulação, exceto em situações especiais.
·
Diabetes melito e doença arterial coronária:
indicação para emprego de antiagregantes plaquetários.
·
Insuficiência cardíaca: indicação de
betabloqueadores conforme o grau funcional.
·
HAS, osteoporose depressão e dislipidemia: tratamentos
em que nem sempre o tratamento é instituído corretamente.
·
Profilaxia da ulcera de estresse: considerar
sua indicação para pacientes hospitalizados e prescrevê-la sempre que
necessário.
Monitoramento de medicamentos
O
monitoramento adequado de medicamentos é essencial para a otimização da
prescrição. As situações mais frequentes em que o monitoramento é necessário
estão listadas no quadro abaixo.
Dosagem
de potássio e creatinina em até 1 mês após inicio de diuréticos e inibidores
da enzima conversora.
|
Dosagem
periódica de INR em pacientes em uso de varfarina
|
Ajuste
de dose ou troca de medicamento se em até 8 semanas não houver resposta à
terapia antidepressiva
|
Monitoramento
do nível sérico de medicamentos quando indicado.
|
Quadro
resumindo alterações na farmacocinética e farmacodinâmica no idoso
Farmacocinética
|
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Processo farmacológico
|
Alterações observadas
|
Consequências
|
|
Absorção
|
Aumento do pH gástrico
|
Interfere na ionização e solubilidade de
certos medicamentos
|
|
Diminui a motilidade TGI, fluxo sanguíneo e
circulação esplâncnica.
|
Não
altera a absorção da maioria dos medicamentos.
|
||
Diminui o fenômeno da primeira passagem
hepática.
|
Fármacos:
aumentar a biodisponibilidade
|
||
Pró-farmacos:
diminuir a biodisponibilidade
|
|||
Numero de células absortivas diminui
|
Não
interfere de forma significativa.
|
||
Sarcopenia
|
Altera
a absorção IM
|
||
Distribuição
|
Proteínas plasmáticas
|
Albumina (reduz em idosos frágeis)
|
Aumenta a fração livre de fármacos ligados
à albumina que tem caráter ácido.
|
α1glicoproteina ácida (aumenta)
|
Diminui a fração livre de medicamentos de
caráter básico.
|
||
Composição corporal
|
Massa hídrica (reduz)
|
Diminui o volume de distribuição de
fármacos hidrossolúveis ex: digoxina
|
|
Massa lipídica (aumenta)
|
Aumenta a meia-vida de fármacos
lipossolúveis ex: benzodiazepínicos.
|
||
Metabolismo
|
Diminui a massa e fluxo hepático
|
Diminuição
no metabolismo de fármacos fluxo-dependentes
|
|
Diminui o fenômeno da primeira passagem por
deficiência da CyP450.
|
Aumenta
a biodisponibilidade de fármacos
|
||
Excreção
|
Diminuição da massa renal, do fluxo
plasmático renal e da TFG.
|
Diminuição do clearance dos fármacos de eliminação renal
|
|
Farmacodinâmica
|
|||
Homeostase
|
Diminuição do fluxo sanguíneo pela
aterosclerose
|
Altera a sensibilidade a fármacos de ação
central
|
|
Redução
do reflexo barorreceptor
|
Hipotensão postural ocasionada por
anti-hipertensivos
|
||
Alterações
na termorregulação
|
Hipotermia induzida por medicamentos
|
||
Menor
sensibilidade do SNA
|
Distúrbios no controle pressórico, vesical
e intestinal.
|
||
Distúrbios
demenciais e depressivos
|
Podem evoluir para delirium na presença de
medicamentos
|
||
Imunossenescência
|
Interfere na imunidade celular
|
||
Alterações
metabólicas
|
Diminuem a tolerância à glicose
|
||
Receptores
|
Diminuição de receptores GABA, alfa e beta
adrenérgicos, muscarínicos e renais do paratormônio
|
Sensibilidade alterada (ex: fármacos de
ação no SNC)
|
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