Diarreia aguda
João Lage
Conceito: diarreia
aguda infecciosa ou gastroenterite aguda é uma doença infecciosa do trato
digestivo de caráter benigno, autolimitado e de curta duração. Pode ser causada
por patógenos virais, bacterianos ou por protozoários. Ocorre aumento do
conteúdo líquido das fezes acima do valor normal, com um aumento na frequência
dos movimentos intestinais que pode variar de 4 a 20 evacuações diárias. Usualmente
ocorre um dano da mucosa tanto estrutural como funciona, de extensão e severidade
variáveis, acarretando um desequilíbrio na função do intestino delgado, do
intestino grosso e no processo de absorção de substratos orgânicos e de água.
·
Diarreia aguda é < 2 semanas
·
Diarreia persistente 2 – 4 semanas
·
Diarreia crônica é > 4 semanas
O
aumento da incidência, morbidade e mortalidade da diarreia está associada a
baixo nível sócio-econômico, falta de saneamento, desnutrição (desmame), baixo
nível de escolaridade e qualidade de higiene deficiente dos alimentos. A
mortalidade após os 70 anos é bem maior que em adultos.
Etiologia: a
gastroenterite infecciosa é a causa mais comum de diarreia aguda. Diversos
patógenos virais, bacterianos ou protozoários podem ser responsáveis.
Em
geral as bactérias são mais comuns nos primeiros meses de vida e na idade
escolar, e os rotavírus tem um pico entre as idades de 6 a 24 meses.
Patogênese: a
diarreia resulta de um desequilíbrio na absorção de água e eletrólitos. Essa
absorção é o resultado de dois fluxos de íons, um absortivo e outro secretor.
Na diarreia, esse desequilíbrio pode ser resultado de uma força osmótica que
age no lúmen intestinal, dirigindo água para dentro do intestino, ou o
resultado de um estado ativo secretor induzido nos enterócitos.
Fisiologicamente a absorção excede a secreção evitando a desidratação. Na
diarreia essas entidades se invertem.
·
Diarreia osmótica: neste
tipo, devido à invasão da mucosa intestinal por microorganismos, não ocorrerá a
absorção suficiente de nutrientes ocasionando a osmose de água para o lúmen
intestinal.
·
Diarreia secretora: neste
caso a causa mais comum é bacteriana. Os patógenos produzem toxinas que
estimulam a produção de segundos mensageiros que levaram a maior secreção de
íons e nutrientes. Isso acarretara a passagem simultânea de água causando a
diarreia.
De
maneira geral, o acometimento do intestino delgado alto caracteriza-se pela
presença de fezes copiosas e aquosas, enquanto o do íleo terminal e do cólon revela-se
por fezes com muco e sangue.
Em
situações normais o organismo dispões de mecanismos de defesa que, na maioria
das vezes, tornam o processo infeccioso intestinal autolimitado. Tais
mecanismos são: saliva, suco gástrico, peristaltismo intestinal, flora
intestinal indígena, imunidade local e sistêmica, sais biliares, placas de
Payer e válvula ileocecal.
Em
pré-maturos e recém nascidos e mesmo em lactentes de baixa idade vários destes
mecanismos encontram-se imaturos, o que facilita a instalação de processos infecciosos.
O leite humano é a melhor proteção contra a infecção entérica no primeiro ano
de vida.
·
Diarreia
alta (acometimento jejuno-ileal): fezes aquosas, copiosas, com
náuseas, vômitos e pouca ou nenhuma febre ou prostração.
·
Diarreia
baixa (cólon): evacuações frequentes e de pequenos volumes
e as cólicas abdominais tendem a ser mais intensas tendendo a urgência retal.
São comuns a presença de muco, pus, sangue, febre e sensibilidade à palpação
abdominal que são características das formas invasivas.
Manifestações clínicas: dor
abdominal à palpação, abdome distendido ou escavado. Exagero de ruídos
hidroaéreos. Desidratação com perda do turgor e da elasticidade, baixa perfusão
capilar.
Exames laboratoriais: os
exames laboratoriais oferecem pouco subsídio, se analisados em função de sua utilidade
para o tratamento individual imediato.
a) Exame
de fezes: pesquisa
de parasitas , piócitos e sangue.
b) Leucograma: pode
demonstrar leucocitose pouco intensa com desvio a esquerda principalmente nos
casos de diarreia bacteriana invasiva.
Diarreia de fome e lactente em
amamentação exclusiva: nestas situações não ocorre distúrbio
absortivo ou secretório.
Tratamento
O
tratamento para crianças com diarreia aguda leve, sem desidratação ou
moderadamente desidratadas, baseia-se nos seguintes tópicos:
1. Uso
de solução de reidratação oral num período de 3 a 4 horas.
2. Uso
de solução isoosmolar (90mmol/L de sódio e 111mmol/L de glicose)
3. Realimentação
precoce com dieta normal (sem restrição de lactose)após 4 horas de reidratação.
4. Prevenção
de um episódio futuro de desidratação com uma suplementação de soro de
reidratação oral (SRO) após cada episódio diarreico
5. Manter
o aleitamento durante o período diarreico
6. Não
devem ser utilizados antibióticos de rotina
7. Não
há necessidade de uso de medicamentos no tratamento de diarreia aguda.
8. Não
usar fórmulas diluídas
9. Não
usar formulas especiais.
Medicação
a) Antieméticos: não
são necessários, uma vez que, as fases de vômitos e náuseas é passageira. Alem
disso, seu efeito sedativo pode prejudicar a reidratação. Quando
excepcionalmente forem utilizados a dose deve ser único, por via parenteral.
b) Racecadotrila (Tiorfan): promove
redução do volume de perdas hidroeletrolíticas pelo mecanismo anti-secretor de
inibição da encefalinase. Sua utilização deve ser considerada apenas em grandes
perdas de líquido.
c) Probióticos: proporcionam
melhora nos episódios de diarreia aguda na criança, diarreia do viajante,
diarreia induzida por antibióticos e nas diarreias associadas aos estados de imunossupressão.
d) Antibióticos: não
devem ser utilizados de rotina, uma vez que, a terapêutica foca o quadro
clínico e não o agente etiológico. O tratamento com antibiótico geralmente é
feito a nível hospitalar. Expecionalmente pode ser realizado a nível
ambulatorial quando:
·
Quadros disentéricos cujo agente é a Shigella, quando acometem recém
nascidos ou lactentes jovens,
desnutridos graves, ou cursam com comprometimento do estado geral, recomenda-se
o uso de sulfa-trimetoprim ou ácido nalidíxico durante cinco dias.
·
No caso de disenteria refratária ao
tratamento com antibacterianos existe a possibilidade de tratar a E. histolytica fato confirmado pelo
encontro nas fezes de trofozoítos do parasita com hemácias fagocitadas. Nesse
caso, a droga de escolha para o tratamento é o metronidazol, na dose de 20 a
30mg/Kg/dia duas a três tomadas por sete a 10 dias.
·
Achados de Giardia lamblia no exame de fezes também requer tratamento com
metronidazol.
Medidas preventivas
·
Melhorar o estado nutricional e a higiene da
população, assim como habitação e saneamento básico;
·
Estimular o aleitamento materno
·
Estabelecendo condições locais para
reidratação oral poupando hospitalizações.
Desidratação e reidratação
Conforme
a intensidade da perda hídrica a desidratação pode ser classificada da seguinte
maneira:
Grau de desidratação
|
Perda em %
|
Sintomas clínicos
|
Leve
|
3 –
5% peso corpóreo
|
Ausentes
ou discretos: sede, mucosas secas e urina concentrada. Pode ocorrer
irritação. Taquicardia discreta.
|
Moderada
|
5 –
10% peso corpóreo
|
Sede,
secura de mucosas, turgor pastoso, elasticidade diminuída, enoftalmia, tensão
ocular diminuída e urina muito concentrada. Taquicardia.
|
Grave
Grave
|
≥ 10% do peso corpóreo
|
Agitação
ao torpor e coma. Conjuntiva hiperemiada. Sinais de choque, com pulsos finos
e rápidos, hipotensão, abafamento das bulhas cardíacas, oligúria, má perfusão
da pele e extremidades. Temperatura elevada ou hipotermia. Respiração
profunda devido à acidose.
|
Conforme
os desvios de osmolaridade a desidratação pode ser classificada de acordo com o
quadro abaixo:
Tipo de desidratação
|
Valor de Na+ sérico
|
Sintomas clínicos
|
Isotônica
ou isonatrêmica
|
130
– 150mEq/l
|
O déficit
de água é proporcional ao de eletrólitos e o quadro clínico varia de acordo
com o grau de desidratação.
|
Hipertônica
ou hipernatrêmica
|
>150mEq/l
|
O
déficit de água é maior que o de eletrólitos. Ocorre quando há ingestão
diminuída de água eé mais frequente em crianças de baixa idade. Sede intensa,
secura de mucosas, pele quente e seca, febre, irritabilidade, oligúria, urina
densa.
|
Hipotônica
ou hiponatrêmica
|
<130mEq/l
|
O
déficit de água é menor que o de eletrólitos. Ocorre quando há perdas
hidroeletrolíticas profusas compensadas com soluções pobres em eletrólitos.
Pele cinzenta, fria, hipotermia, pulso fino, hipotensão arterial e oligúria.
|
Hidratação
Quando
estabelecida a desidratação, sua correção é feita em duas fases: reparação e
manutenção. A primeira visa restaurar o déficit existente e a segunda fornecer
líquidos, eletrólitos e calorias para manter o indivíduo, já hidratado, em
estado de equilíbrio hidroeletrolítico.
Deve
dar-se preferência à reidratação ral sendo a venosa necessária apenas nos
seguintes casos:
Ø Desidratações
graves com sinais de choque
Ø Perda
de consciência
Ø Íleo
paralítico
Ø Excesso
de vômitos
Ø Outras
intercorrências que impossibilitem a reidratação oral.
Solução
reidratante oral (SRO) recomendada pela OMS
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Componentes
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g/l
|
NaCl
|
3,5
|
Citrato
de sódio
|
2,9
|
Cloreto
de potássio
|
1,5
|
Glicose
|
20
|
A
utilização de soluções de reidratação oral caseiras devem ser reservadas para
locais em que não há assistência médica, a situações de emergência ou, encarada
como recurso inicial enquanto a família procura assistência médica.
O
tratamento é administrado de acordo com a gravidade do quadro clínico:
·
Plano
A: para
pacientes com perdas hidroeletrolíticas, mas sem sinais de desidratação;
·
Plano
B:
para pacientes com algum grau de desidratação;
·
Plano
C:
para pacientes graves com sinais de choque
Plano A: consiste
no aumento de oferta de líquidos associado à manutenção da alimentação, com
correção de eventuais erros dietéticos e respeito à aceitação e tolerância.
Plano B:
Ø Reparação: A
SRO deve ser oferecida em pequenos volumes de acordo com a aceitação da criança
até o desaparecimento dos sinais de desidratação e presença de diurese
abundante o que habitualmente acontece em um período de 4 a 6 horas. Durante
essa fase se tolerado a criança deve manter o aleitamento ao seio.
Ø Manutenção: terminada
a fase de reparação que se identifica pela ausência de sinais de desidratação e
pela presença de diurese franca , passa-se à fase de manutenção. Recomenda-se o
uso de líquidos de acordo com a aceitação da criança e a administração da SRO
após cada episódio de vômito ou de evacuação líquida. A alimentação habitual
deve ser oferecida depois que a criança estiver hidratada e de acordo com sua
aceitação.
Plano C:
Ø Reparação: Crianças
graves com torpor ou em coma, pulso débil e enchimento capilar muito lento
devem receber soluções cristaloides – soro fisiológico ou Ringer lactato – por
via endovenosa – 20ml/Kg a cada 20 a 30 minutos -, até o reestabelecimento das
condições circulatórias. Passada a fase de maior risco, inicia-se a
administração endovenosa de uma solução de soro fisiológico e soro glicosado
isotônicoem partes iguais, solução 1:1 -, num volume de 50ml/Kg em uma hora. O
mesmo esquema deve ser repetido em uma ou duas horas, se necessário, até o
desaparecimento dos sinais de desidratação e diurese franca.
Ø Manutenção: vide
manutenção Plano B.
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