quinta-feira, 14 de março de 2013

DIARREIA AGUDA


Diarreia aguda

João Lage

Conceito: diarreia aguda infecciosa ou gastroenterite aguda é uma doença infecciosa do trato digestivo de caráter benigno, autolimitado e de curta duração. Pode ser causada por patógenos virais, bacterianos ou por protozoários. Ocorre aumento do conteúdo líquido das fezes acima do valor normal, com um aumento na frequência dos movimentos intestinais que pode variar de 4 a 20 evacuações diárias. Usualmente ocorre um dano da mucosa tanto estrutural como funciona, de extensão e severidade variáveis, acarretando um desequilíbrio na função do intestino delgado, do intestino grosso e no processo de absorção de substratos orgânicos e de água.
·         Diarreia aguda é < 2 semanas
·         Diarreia persistente 2 – 4 semanas
·         Diarreia crônica é > 4 semanas
O aumento da incidência, morbidade e mortalidade da diarreia está associada a baixo nível sócio-econômico, falta de saneamento, desnutrição (desmame), baixo nível de escolaridade e qualidade de higiene deficiente dos alimentos. A mortalidade após os 70 anos é bem maior que em adultos.
Etiologia: a gastroenterite infecciosa é a causa mais comum de diarreia aguda. Diversos patógenos virais, bacterianos ou protozoários podem ser responsáveis.

Em geral as bactérias são mais comuns nos primeiros meses de vida e na idade escolar, e os rotavírus tem um pico entre as idades de 6 a 24 meses.
Patogênese: a diarreia resulta de um desequilíbrio na absorção de água e eletrólitos. Essa absorção é o resultado de dois fluxos de íons, um absortivo e outro secretor. Na diarreia, esse desequilíbrio pode ser resultado de uma força osmótica que age no lúmen intestinal, dirigindo água para dentro do intestino, ou o resultado de um estado ativo secretor induzido nos enterócitos. Fisiologicamente a absorção excede a secreção evitando a desidratação. Na diarreia essas entidades se invertem.
·         Diarreia osmótica: neste tipo, devido à invasão da mucosa intestinal por microorganismos, não ocorrerá a absorção suficiente de nutrientes ocasionando a osmose de água para o lúmen intestinal.
·         Diarreia secretora: neste caso a causa mais comum é bacteriana. Os patógenos produzem toxinas que estimulam a produção de segundos mensageiros que levaram a maior secreção de íons e nutrientes. Isso acarretara a passagem simultânea de água causando a diarreia.
De maneira geral, o acometimento do intestino delgado alto caracteriza-se pela presença de fezes copiosas e aquosas, enquanto o do íleo terminal e do cólon revela-se por fezes com muco e sangue.
Em situações normais o organismo dispões de mecanismos de defesa que, na maioria das vezes, tornam o processo infeccioso intestinal autolimitado. Tais mecanismos são: saliva, suco gástrico, peristaltismo intestinal, flora intestinal indígena, imunidade local e sistêmica, sais biliares, placas de Payer e válvula ileocecal.
Em pré-maturos e recém nascidos e mesmo em lactentes de baixa idade vários destes mecanismos encontram-se imaturos, o que facilita a instalação de processos infecciosos. O leite humano é a melhor proteção contra a infecção entérica no primeiro ano de vida.
·         Diarreia alta (acometimento jejuno-ileal): fezes aquosas, copiosas, com náuseas, vômitos e pouca ou nenhuma febre ou prostração.
·         Diarreia baixa (cólon): evacuações frequentes e de pequenos volumes e as cólicas abdominais tendem a ser mais intensas tendendo a urgência retal. São comuns a presença de muco, pus, sangue, febre e sensibilidade à palpação abdominal que são características das formas invasivas.
Manifestações clínicas: dor abdominal à palpação, abdome distendido ou escavado. Exagero de ruídos hidroaéreos. Desidratação com perda do turgor e da elasticidade, baixa perfusão capilar.
Exames laboratoriais: os exames laboratoriais oferecem pouco subsídio, se analisados em função de sua utilidade para o tratamento individual imediato.
a)   Exame de fezes:  pesquisa de parasitas , piócitos e sangue.
b)   Leucograma: pode demonstrar leucocitose pouco intensa com desvio a esquerda principalmente nos casos de diarreia bacteriana invasiva.
Diarreia de fome e lactente em amamentação exclusiva: nestas situações não ocorre distúrbio absortivo ou secretório.
Tratamento
O tratamento para crianças com diarreia aguda leve, sem desidratação ou moderadamente desidratadas, baseia-se nos seguintes tópicos:
1.    Uso de solução de reidratação oral num período de 3 a 4 horas.         
2.    Uso de solução isoosmolar (90mmol/L de sódio e 111mmol/L de glicose)
3.    Realimentação precoce com dieta normal (sem restrição de lactose)após 4 horas de reidratação.
4.    Prevenção de um episódio futuro de desidratação com uma suplementação de soro de reidratação oral (SRO) após cada episódio diarreico
5.    Manter o aleitamento durante o período diarreico
6.    Não devem ser utilizados antibióticos de rotina
7.    Não há necessidade de uso de medicamentos no tratamento de diarreia aguda.            
8.    Não usar fórmulas diluídas
9.    Não usar formulas especiais.                     
Medicação
a)   Antieméticos: não são necessários, uma vez que, as fases de vômitos e náuseas é passageira. Alem disso, seu efeito sedativo pode prejudicar a reidratação. Quando excepcionalmente forem utilizados a dose deve ser único, por via parenteral.
b)   Racecadotrila (Tiorfan): promove redução do volume de perdas hidroeletrolíticas pelo mecanismo anti-secretor de inibição da encefalinase. Sua utilização deve ser considerada apenas em grandes perdas de líquido.
c)   Probióticos: proporcionam melhora nos episódios de diarreia aguda na criança, diarreia do viajante, diarreia induzida por antibióticos e nas diarreias associadas aos estados de imunossupressão.
d)   Antibióticos: não devem ser utilizados de rotina, uma vez que, a terapêutica foca o quadro clínico e não o agente etiológico. O tratamento com antibiótico geralmente é feito a nível hospitalar. Expecionalmente pode ser realizado a nível ambulatorial quando:
·         Quadros disentéricos cujo agente é a Shigella, quando acometem recém nascidos  ou lactentes jovens, desnutridos graves, ou cursam com comprometimento do estado geral, recomenda-se o uso de sulfa-trimetoprim ou ácido nalidíxico durante cinco dias.
·         No caso de disenteria refratária ao tratamento com antibacterianos existe a possibilidade de tratar a E. histolytica fato confirmado pelo encontro nas fezes de trofozoítos do parasita com hemácias fagocitadas. Nesse caso, a droga de escolha para o tratamento é o metronidazol, na dose de 20 a 30mg/Kg/dia duas a três tomadas por sete a 10 dias.
·         Achados de Giardia lamblia no exame de fezes também requer tratamento com metronidazol.
Medidas preventivas
·         Melhorar o estado nutricional e a higiene da população, assim como habitação e saneamento básico;
·         Estimular o aleitamento materno
·         Estabelecendo condições locais para reidratação oral poupando hospitalizações.
Desidratação e reidratação
Conforme a intensidade da perda hídrica a desidratação pode ser classificada da seguinte maneira:
Grau de desidratação
Perda em %
Sintomas clínicos
Leve
3 – 5% peso corpóreo
Ausentes ou discretos: sede, mucosas secas e urina concentrada. Pode ocorrer irritação. Taquicardia discreta.
Moderada
5 – 10% peso corpóreo
Sede, secura de mucosas, turgor pastoso, elasticidade diminuída, enoftalmia, tensão ocular diminuída e urina muito concentrada. Taquicardia.
Grave



Grave
 ≥ 10% do peso corpóreo
Agitação ao torpor e coma. Conjuntiva hiperemiada. Sinais de choque, com pulsos finos e rápidos, hipotensão, abafamento das bulhas cardíacas, oligúria, má perfusão da pele e extremidades. Temperatura elevada ou hipotermia. Respiração profunda devido à acidose.

Conforme os desvios de osmolaridade a desidratação pode ser classificada de acordo com o quadro abaixo:
Tipo de desidratação
Valor de Na+ sérico
Sintomas clínicos
Isotônica ou isonatrêmica
130 – 150mEq/l
O déficit de água é proporcional ao de eletrólitos e o quadro clínico varia de acordo com o grau de desidratação.
Hipertônica ou hipernatrêmica
>150mEq/l
O déficit de água é maior que o de eletrólitos. Ocorre quando há ingestão diminuída de água eé mais frequente em crianças de baixa idade. Sede intensa, secura de mucosas, pele quente e seca, febre, irritabilidade, oligúria, urina densa.
Hipotônica ou hiponatrêmica
<130mEq/l
O déficit de água é menor que o de eletrólitos. Ocorre quando há perdas hidroeletrolíticas profusas compensadas com soluções pobres em eletrólitos. Pele cinzenta, fria, hipotermia, pulso fino, hipotensão arterial e oligúria.

Hidratação
Quando estabelecida a desidratação, sua correção é feita em duas fases: reparação e manutenção. A primeira visa restaurar o déficit existente e a segunda fornecer líquidos, eletrólitos e calorias para manter o indivíduo, já hidratado, em estado de equilíbrio hidroeletrolítico.
Deve dar-se preferência à reidratação ral sendo a venosa necessária apenas nos seguintes casos:
Ø  Desidratações graves com sinais de choque
Ø  Perda de consciência
Ø  Íleo paralítico
Ø  Excesso de vômitos
Ø  Outras intercorrências que impossibilitem a reidratação oral.
Solução reidratante oral (SRO) recomendada pela OMS
Componentes
g/l
NaCl
3,5
Citrato de sódio
2,9
Cloreto de potássio
1,5
Glicose
20

A utilização de soluções de reidratação oral caseiras devem ser reservadas para locais em que não há assistência médica, a situações de emergência ou, encarada como recurso inicial enquanto a família procura assistência médica.
O tratamento é administrado de acordo com a gravidade do quadro clínico:
·         Plano A: para pacientes com perdas hidroeletrolíticas, mas sem sinais de desidratação;
·         Plano B: para pacientes com algum grau de desidratação;
·         Plano C: para pacientes graves com sinais de choque
Plano A: consiste no aumento de oferta de líquidos associado à manutenção da alimentação, com correção de eventuais erros dietéticos e respeito à aceitação e tolerância.
Plano B:
Ø  Reparação: A SRO deve ser oferecida em pequenos volumes de acordo com a aceitação da criança até o desaparecimento dos sinais de desidratação e presença de diurese abundante o que habitualmente acontece em um período de 4 a 6 horas. Durante essa fase se tolerado a criança deve manter o aleitamento ao seio.
Ø  Manutenção: terminada a fase de reparação que se identifica pela ausência de sinais de desidratação e pela presença de diurese franca , passa-se à fase de manutenção. Recomenda-se o uso de líquidos de acordo com a aceitação da criança e a administração da SRO após cada episódio de vômito ou de evacuação líquida. A alimentação habitual deve ser oferecida depois que a criança estiver hidratada e de acordo com sua aceitação.
Plano C:
Ø  Reparação: Crianças graves com torpor ou em coma, pulso débil e enchimento capilar muito lento devem receber soluções cristaloides – soro fisiológico ou Ringer lactato – por via endovenosa – 20ml/Kg a cada 20 a 30 minutos -, até o reestabelecimento das condições circulatórias. Passada a fase de maior risco, inicia-se a administração endovenosa de uma solução de soro fisiológico e soro glicosado isotônicoem partes iguais, solução 1:1 -, num volume de 50ml/Kg em uma hora. O mesmo esquema deve ser repetido em uma ou duas horas, se necessário, até o desaparecimento dos sinais de desidratação e diurese franca.
Ø  Manutenção: vide manutenção Plano B.




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