Cirrose e suas complicações
João Lage
Definição de cirrose
Trata-se de um processo que se
caracteriza por formação de fibrose difusa, alem de micro e macronódulos,
estabelecendo perversão da arquitetura normal do parênquima.
Classificação etiológica
1)
Infecciosa: a perpetuação, durante alguns anos,
de lesão celular imunomediada mostra-se responsável pela instalação de hepatite
crônica e cirrose em portadores dos vírus das hepatites B, D e C. Geralmente a
instalação da cirrose ocorre em 5 anos na hepatite B e D e em 5 a 20 anos na C.
2)
Hepatite autoimune: traduz por inflamação do fígado, que
se caracteriza por: a) hepatite periporta (necrose periférica), b) proeminente
infiltrado inflamatório e c) infiltração dos espaços portais por plasmócitos. Toda essa evolução se dá por citotoxicidade
imunecelular contra autoantígenos, sendo estes mais expressos em pacientes HLA
Dr3 e Dr4. A cirrose se instala neste caso em aproximadamente 6 anos.
3)
Alcoólica: mecanismos patogenéticos de agressão
hepatocelular em pacientes com ingesta alcoólica excessiva (80 g etanol/dia)
relacionam-se com: a) predisposição genética, b) hipermetabolismo de
hepatócitos centrolobulares em que se acumula mais acetaldeído e c) maior
produção de colágeno pelas células do Ito.
Na dependência desses fatores ocorre evolução com necrose focal dos
hepatócitos, inflamação, acumulo de proteínas celulares, esteatose, fibrose e
regeneração com instalação de cirrose e
risco de evolução para hepatocarcinoma ao fim de 20 ou mais anos.
4)
Obstrução biliar: a) colangite crônica destrutiva não
supurativa, b) colangite esclerosante primária, c) atresia das vias biliares,
d) fibrose cística, e) hipoplasia biliar intra-hepática, f) displasia
artério-hepática ou síndrome de Alagille e g) sarcoidose.
5)
Fármacos: diferentes fármacos e seus
metabólitos podem produzir hepatite crônica ativa e cirrose, sobretudo α-metildopa, isoniazida,
nitrofurantoína, dantrolone, diclofenaco.
6)
Metabólica: a) na doença de Wilson é um erro inato do metabolismo, caracterizado
por defeito na excreção biliar de cobre, com consequente acumulo de metal no fígado,
cérebro e córnea. São acometidos pacientes jovens, que evoluem com deterioração
intelectual, tremor, disartria, distonia, anemia hemolítica, hematúria e amenorreia.
b) hemocromatose hereditária (HH), doença herdada. Todos cursam com níveis de
ferritina e índice de saturação de transferrina elevados. Excesso do ferro
depositado gera fibrose e cirrose hepática. c) deficiência de α1-antitripsina, um inibidor de protease sérica,
bloqueadora de elastase neutrofílica. d)
galactosemia é representada por uma série de doenças transmitidas por herança
autossômica recessiva, expressão de deficiências celulares de três enzimas,
galactose-1-fosfato uridiltranferase, galactoquinase e uridina difosfato
galactose-4-epimerase. Os defeitos nestas enzimas traduzem como desnutrição,
retardo mental, e intolerância à galactose na dieta. E) glicogenoses.
f)tirosinemia e g)porfirias.
7)
Esteato-hepatite não alcoólica: é responsável pelo aumento de 60 a
80% dos níveis séricos de aminotranferases e Gama-GT de pacientes atendidos em
ambulatórios. É mais observada em obesos, sobretudo naqueles hipertensos,
dislipidêmicos e diabéticos.
8)
Vascular: a) a síndrome de Budd-Chiari instala-se em consequência de obstáculo ao livre fluxo
sanguíneo secundário a trombose de veias hepáticas ou de VCI supra hepática.
Pacientes cursam com volumosa hepatomegalia, ascite tensa, como outros sinais
de hipertensão portal. b) Doença venoclusiva e c) telangiectasia hemorrágica
hereditária.
Aspectos fisiopatológicos
·
Após
instalada a cirrose ocorre hipertensão portal (aumento superior a 5mmHg em
relação à VCI). A partir daí forma-se extensa rede colateral hepatofuga cuja
principal é a rota ázigos-hemiazigos que gera as varizes esofagianas.
·
Ocorrerá
aumento do DC e redução na resistência arteriolar esplâncnica (aumento do fluxo
sanguíneo para os órgãos abdominais).
·
Ocorrem
anastomoses arteriovenosas intrapulmonares e portopulmonares (sistema ázigo-pulmonares)
levando à diminuição da pO2 no sangue arterial.
·
Pode
ocorrer vasoconstrição das arteríolas aferentes renais com desvio do sangue
para medula resultando em: a) diminuição da filtração glomerular, b) maior reabsorção tubular de sódio e água e c) retenção
azotada (ureia) culminado com a síndrome hepatorrenal, um indicativo de mal
prognóstico.
·
Distúrbios
hematológicos: a) anemia, causada por hemólise, deficiência na síntese de ácido
fólico e absorção do ferro, observada nos desnutridos, b) leucopenia e
plaquetopenia gerada pelo hiperesplenismo e c) redução da síntese dos fatores
que compõe o complexo protrombínico (II, VI, IX, X) observada pelo alargamento
do tempo de protrombina. Também ocorre
diminuição do fator V responsável pelo aparecimento de sangramentos
espontâneos.
·
Queda
na produção de albumina que altera a pressão oncótica plasmática a qual,
associada a hipertensão portal e á presença de substancias vasoconstritoras,
leva à menor excreção renal de sódio e água com formação de ascite.
·
Ocorre
diminuição da atividade da conversão da amônia em ureia levando a
hiperamonemia.
·
Depressão
funcional do sistema reticuloendotelial e dos granulócitos, baixos níveis de
complemento e deterioração da imunidade celular leva a alta incidência de infecções
bacterianas.
Manifestações clínicas
A magnitude das manifestações
clínicas está, obviamente, na dependência do grau de comprometimento celular
hepático e na intensidade da fibrose. Alguns pacientes no entanto não
apresentam quaisquer sinais ou sintomas sendo necessário, portanto dividir os
pacientes em: 1) cirrose hepática compensada e 2) cirrose hepática
descompensada. O esquema a seguir demonstrará melhor as características de cada
um destes quadros
Aspectos laboratoriais
·
Albumina: apresenta composição homogênea, sendo
sintetizada exclusivamente no fígado; portanto, na cirrose hepática,
encontramos baixos níveis séricos.
·
Imunoglobulinas
Ø IgM: aumento
isolado na cirrose biliar primária. Nas fases iniciais da hepatite aguda.
Ø IgG e IgA:
aumento na cirrose alcoólica + IgM em pequena quantidade
·
α1-antitripsina:
concentrações reduzidas ocorrem na deficiência hepática por deficiência
desta proteína.
·
AST e ALT: apresentam valores em geral 5 vezes
maior que o limite superior de normalidade sendo que o AST predomina sobre o
ALT. Em casos avançados pode ocorrer diminuição das transaminases.
·
GAMA-GT: valores
elevados são observados na cirrose alcoólica e biliar
·
FA: Aumentada principalmente na cirrose
biliar.
·
BD: cirróticos cursam com valores
aumentados
·
Na: valores aumentados principalmente em
caso de ascite.
Métodos de imagem
·
Ultrassonografia: é caracterizada por um padrão
ecográfico heterogêneo e grosseiro, com hiperecogenicidade do parênquima,
aumento da atenuação sonora e nodularidade na superfície do órgão.
Ø Hipertensão portal: esplenomegalia, ascite e presença de circulação colateral. A
recanalização da veia umbilical está presente em 35% dos casos.
·
Tomografia computadorizada: com a progressão da doença
identifica-se nodularidades sobre a superfície do fígado.
·
Ressonância magnética: alterações assemelham-se as da TC
·
Angiografia do tronco celíaco
·
Supra-hepatovenografia
·
Angiorresonância magnética
·
EDA: principalmente na detecção de varizes
esofagianas, gástricas e gastropatia hipertensiva portal.
Prognóstico
1) Sobrevida de 1 e 5 anos após primeiro
episódio de ascite
2) Pacientes com síndrome hepatorrenal
tipo 2 falecem dentro de algumas semanas a poucos meses após aparecimento de
insuficiência renal
3) Sobrevida mais curta naqueles com
ingesta alcoólica diária
Complicações
1)
Encefalopatia hepática: é uma síndrome neuropsiquiátrica
decorrente de complicação da cirrose e das hepatopatias agudas que se
acompanham de necrose celular extensa.
Fisiopatologia: o fígado normal realiza o clareamento
de substância proteicas neurotóxicas de origem intestinal. Essas substâncias,
em consequência da redução dos hepatócitos funcionantes e pela existência de
anastomoses portossistêmicas, circulam livremente, ultrapassando a barreira
hematoliquórica causando alterações cerebrais. As substâncias de maior
relvância serão apresentadas a seguir:
o
Amônia:
hiperamonemia causa inibição sináptica.
o
Aminoácidos plasmáticos: cirróticos evoluem com níveis séricos e cerebrais elevados
de aminoácidos de cadeia aromática, e baixos de cadeia ramificada.
o
Mercaptanas e ácidos graxos de cadeia curta: agem em sinergismo com a amônia.
Fatores precipitantes: a) presença de hemorragia digestiva alta, o sangue é
degradado pelas enterobactérias gerando substâncias neuroativas, como amônia e
outras, atuando como depressoras do SNC, b)diuréticos: os cirróticos com ascite
necessitando ser tratados com diuréticos, causa de graves distúrbios
metabólicos como hiponatremia, hiper e/ou hipopotassemia e alcalose
hipopotatassemica gerando inibição da transmissão neuronal normal e c)
infecções: a redução da atividade imunológica nos cirróticos leva ao
desenvolvimento de infecções. Nessa situação acentua-se o catabolismo proteico
e portanto predispõe a iperamonemia, d) Constipação intestinal: condição
favorável à maior produão entérica de produtos neurotóxicos, e)uso de drogas
como hipnóticos e ansiolíticos: por não serem metabolizadas adequadamente pelo
fígado tem sua meia-vida prolongada.
Manifestações clínicas: perda de memória, perda do comportamento habitual,
alteações de personalidade, deterioração intelectual, flapping, demência, paraparesia e coma.
2) Ascite: guarda
relação com a instalação de hipertensão portal, com a redução da capacidade de
síntese hepatocelular e com a dificuldade que esses pacientes manifestam na
manipulação renal de sódio e água.
Ocorre como consequência da hipertensão portal, baixa síntese de
albumina, associada à hipertensão linfática e hiperatividade dos sistemas
renina-angiotensina-aldosterona e nervoso simpático, os pacientes passam a
apresentar retensão renal de sódio e água, como formação de edema de mmii e
ascite.
Terapêutica
Cirrose hepática não-complicada:
o
Adoção
de dieta balanceada e combate aos fatores etiológicos responsáveis pela
evolução da doença.
o
Tratar
a fibrose hepática: 1) remoção do estimulo lesivo, 2) empregar
antiinflamatórios.
Cirrose hepática complicada
Nas paginas seguintes os quadros
dirão como agir
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