sexta-feira, 5 de julho de 2013

DHA

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Doença hepática alcoólica (DHA)


Epidemiologia
Abuso e dependência alcoólica são os mais sérios problemas médicos do mundo industrializado. Entre pacientes hospitalizados, a prevalência dessas condições varia de 25 a 60%, gerando enormes gastos aos cofres públicos.
Sabe-se atualmente que a evolução para cirrose hepática ocorre em cerca de 20% dos indivíduos que ingerem acima de 60 a 80g de etanol por dia, durante mais de 8 a 10 anos. Essa evolução depende da susceptibilidade individual, associada a fatores ambientais, exposição a drogas indutoras enzimáticas, ou infecções concomitantes por vírus da hepatite B e C.
As mulheres são mais susceptíveis ao desenvolvimento da DHA, e, nelas, a doença instala-se em idade baixa, após mais curto período de exposição e ingestão de doses menores. Essa maior predisposição relaciona-se a menor massa corpórea e maior proporção de tecido adiposo que apresentam. Parece que também guarda relação a elevada resposta do seu sistema de defesa aos neoantígenos formados a partir de hepatócitos lesados, sendo, entre elas, além disso, mais elevadas a quantidade e biodisponibilidade de enzimas hepáticas metabolizadas do etanol, cursando com níveis séricos mais acentuados de acetaldeído e radicais de oxigênio livres.
Fisiopatologia
Do ponto de vista de patogenia, atualmente se aceita que a DHA alcoólica esteja relacionada funcionalmente de forma resumida a:
1)     Hepatotoxicidade exercida pelo acetaldeído, promovendo peroxidação de membranas biológicas, com formações de complexo acetaldeído-proteína e de aductos de DNA;
2)     Exarcebação de estresse oxidativo formando radicais livres de oxigênio
3)     Geração de endotoxinas, com maior permeabilidade da mucosa com liberação e influxo de mediadores inflamatórios, tais como TNF-a, IL-1, IL-6 e leucotrienos.
4)     Ativação de células de Kupffer e polimorfonucleares;
5)     Polimorfismo e indução do Cyp2E1.
Metabolismo do etanol: o álcool é rapidamente absorvido pela mucosa gastrointestinal e apenas 10% do absorvido é eliminado pelos pulmões e rins. O restante (90%) é metabolizado no fígado por 3 diferentes vias porem com o mesmo produto final: o acetaldeído.
·         Primeira via: via da álcool desidrogenase que ocorre no citosol, em que o hidrogênio é transferido do etanol para o cofator NAD convertendo-se em NADH
·         Segunda via: sistema microssomal de oxidação no retículo endoplasmático, por meio de citocromo P-450, que envolve principalmente o citocromo P-450 2E1 (CYP2E1). Maior atividade de CYP2E1 pode ser induzida por maior consumo de álcool, o que explica em parte a grande tolerância adquirida em etilistas crônicos.
·         Terceira via: via da catalase, que se dá nos peroxissomos, menos importante e responsável por cerca de 10% do metabolismo do álcool. Em alcoolistas, há aumento do metabolismo do álcool nos peroxissomos.


Nas mitocôndrias, acetaldeído será convertido em ácido acético pela enzima aldeído desidrogenase (ALDH).
Analisaremos agora como cada uma destas fases poderá gerar um quadro patológico hepático:
·         O acetaldeído produzido em grande quantidade nos alcoolistas leva a lesões das organelas, sobretudo mitocôndrias e microtubulos, pela peroxidação lipídica e pela formação de adutos com proteínas causando lesão do citoesqueleto e membranas. Isso alem de causar a lesão propriamente dita dificulta o transporte das lipoproteínas impedindo a exportação dos triglicérides favorecendo o processo de esteatose.
·         O acetaldeído é então convertido em acetato e este por meio da enzima acetil-Coa sintase da origem a acetil-CoA. Este ultimo poderá ser metabolizado em ácido graxo que junto a outros triglicerídeos irá favorecer ao acumulo de gordura intrahepatócito favorecendo a esteatose hepática.
·         Devido ao alto processamento hepático do álcool poderá ocorrer a diminuição de NAD. Este é responsável por metabolizar o ácido graxo e converter lactato em piruvato, portanto sua deficiência contribuirá para esteatose e acidose lática.    
·         O CYP2E1 sobre o etanol causa sua oxidação gerando radicais livres de O2, que causam peroxidação de membranas celulares e agressão ás células. Quando ocorre especificamente lesão das mitocôndrias por estes radicais livres ocorrerá queda na oxidação de ácidos graxos favorecendo a esteatose.


Fatores nutricionais: a ingestão deficiente de proteínas, especialmente dos aminoácidos metionina e colina, estaria implicada na patogênese da DHA. No entanto, a suplementação desses elementos se mostrou ineficaz em prevenir a esteatose.
Fatores genéticos:  em uma população homogênea de pacientes portugueses, sugeriu-se que o gene HLA-B5 conferia proteção, enquanto o A28 e o Bw35 definiam sensibilidade acentuada ao desenvolvimento de lesões histológicas típicas da agressão induzida pela etanol.
Fatores imunológicos: ingestão excessiva de álcool leva à redução dos mecanismos de defesa imunológica, expressa por granulocitopoese, quimiotaxia, fagocitose e citotoxicidade. Este quadro de supressão se agrava na presença de eventual desnutrição e da reduzida secreção de fator de necrose tumoral pelas células de Kuppfer. Os doentes evoluem com níveis altos de IgA de imunoglobulina ativador de LB responsáveis pelo aparecimento de hipergamaglobulinemia.
Vírus hepatite B e C: pacientes alcoólatras tem maior susceptibilidade à infecção pelos vírus da hepatite. Estes vírus contribuem então pela patogênese da doença.
Espectro da DHA
A agressão aos hepatócitos manifesta-se sob formas clínicas, laboratoriais e histológicas diversas. Mais comumente se manifestam por: 1) esteatose, 2) hepatite alcoólica, 3) hepatite crônica ativa, 4) esclerose de veia centrolobular, 5) cirrose e 6) carcinoma hepatocelular.
1)    Esteatose hepática: esteatose ocorre na deficiência de colina e metionina. Depende também da menor ingestão de ácido orótico e carnitina, bem como da presença de lipoproteínas circulantes, sobretudo HDL.
Ø  Manifestações clínicas: hepatomegalia de consistência variável, muitas vezes aumentada, com fígado apresentando bordas rombas e superfície regular. Às vezes é doloroso à palpação. Quando associam sinais inflamatórios é denominada esteato-hepatite.
Ø  Laboratorial: Níveis séricos de aminotransferases (AST e ALT) normais ou discretamente elevados. Porem em alguns casos podem exibir valores até 10 vezes o valor normal. Sempre ocorre anterações acentuadas de gamaglutamiltransferase (GAMA-GT). Não se modificam os valores de bilirrubina total e frações da albumina, nem a atividade da protombina.
Ø  Exame de imagem: ultrassom com aspecto típico, com fígado de textura hiperecóica, grosseira, e atenuação de feixes acústicos posteriores.
Ø  Anatomopatologia: revela-se pela presença de micro ou macrogotículas de gordura no citoplasma. Constitui-se em entidade isolada ou pode ser detectada associada à fibrose perivenular, à hepatite ou a cirrose.
Considerações finais: a esteatose é reversível em dias ou semanas após abstinência alcoólica.
2)    Hepatite alcoólica: percentual significativo de pacientes alcoólatras evoluem para hepatite alcoólica (HA), síndrome inflamatória que traduz necrose hepatocitária. Esta síndrome que pode se instalar tanto em fígados normais ou cirróticos é potencialmente reversível e depende de modificações nos índices de secreção de FNT-a, IL-1 e IL-6. Para que se perpetue, participam deficiências nutricionais, que se instalam em indivíduos geneticamente predispostos, cursando co distúrbio ao nível do sistema imunológico.
Ø  Manifestações clínicas: pacientes pouco sintomáticos ou assintomáticos, mesmo referindo história de ingestão alcoólica excessiva, exibindo hepatomegalia. Forma mais grave se expressa pelo aparecimento de icterícia, ascite, sinais de coagulopatia e, mesmo, encefalopatia, cursando ainda com dor surda e suportável no hipocôndrio direito, fígado de consistência aumentada, febre e leucocitose.
Ø  Laboratorial:
o   Bilirrubina total > 5mg/dl
o   AS entre 100 e 400UI/l. 80 % dos pacientes tem a relação AST:ALT em torno de 2, ou mais. Esse comportamento é devido a: 1) menor concentração citosólica dessas enzimas nos alcoólatras crônicos, 2) maior liberação de AST de fontes não hepáticas, como músculos e eritrócitos e 3) menor concentração hepática de coenzimas, limitando a capacidade de correção quantitativa dessas enzimas no soro.
o   Fosfatase alcalina assume comportamento variável tendendo a elevação, quando colestase.
o   Gama-GT comporta-se como o melhor marcador de DHA, ao lado do volume corpuscular médio das hemácias. Indica sempre indução enzimática microssomal, determinada pelo etanol e seus metabólitos.
o   Níveis séricos reduzidos de albumina, tempo de protrombina alargado e redução do fator V.
o   A progressão para cirrose pode ser associada a elevações de procolágeno tipo III.

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