sexta-feira, 5 de julho de 2013

DRGE E SEMIOLOGIA DO ESÔFAGO

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DRGE e semiologia do esôfago

João Lage 

Definições
Refluxo gastroesofágico: deslocamento, sem esforço, do conteúdo gástrico para o esôfago. Ocorre em todas as pessoas varias vezes ao dia e, desde que não haja sintomas ou sinais de lesão na mucosa, pode ser considerado um processo fisiológico.
Doença do refluxo gastroesofágico: condição na qual o refluxo do conteúdo gástrico causa sintomas que afetam o bem estar do paciente e/ou complicações.
Epidemiologia da DRGE
No Brasil um estudo populacional concluiu que 12% da população tem DRGE. A patologia afeta todas as faixas etárias porem a população mais velha é a que mais procura os serviços de saúde.
Fisiopatologia
A DRGE é multifatorial, sendo que, os sintomas e as lesões teciduais resultam do contato da mucosa com o conteúdo gástrico refluxado, decorrentes de falha de uma ou mais das seguintes defesas do esôfago: 1) barreira antirrefluxo, 2) mecanismos de depuração intraluminal e 3) resistência intrínseca do epitélio.
1.    Barreira antirrefluxo: configura como a principal proteção contra o RGE sendo composta por: a) EIE e b) esfíncter externo (formado pela parte crural do diafragma). O EIE mantém-se fechado em repouso e relaxa com a deglutição. O relaxamento não relacionado a deglutição é denominado transitório, sendo considerado o principal mecanismo associado a DRGE. Muitas substâncias afetam o tônus do EIE, dentre elas a CCK liberada na presença de gordura. Outros agentes são o NO e o peptídeo vasointestinal ativo.
2.    Mecanismos de depuração intraluminal: também denominada clearance esofágico decorre de uma combinação de mecanismos mecânicos (peristaltismo e gravidade) e químicos (neutralização pela saliva ou pela mucosa). A alteração do peristaltismo pode ser primária (distúrbios motores do esôfago) ou secundária (doenças do tecido conjuntivo). A diminuição do fluxo salivar pode ser devido ao uso adverso de medicamentos e/ou a síndrome de Sjogren. A neutralização pela saliva demora de 3 a 5 min para agir e cada 7ml de saliva neutraliza 1ml de HCL.
Obs. Episódios de refluxo que ocorrem durante o sono podem causar lesão mais facilmente, uma vez que ocorre diminuição na produção de saliva e oposição à gravidade.
3.    Resistência intrínseca do epitélio: é constituída pelos seguintes mecanismos de defesa:

Defesa pré-epitelial
Composta por muco, bicarbonato e água no lúmen do esôfago formando uma barreira físico-química.
Defesa epitelial
Junções intracelulares firmes, características do epitélio estratificado pavimentoso, o que dificulta a retrodifusão de íons e substâncias tamponadoras intersticiais, como proteínas, fosfato e bicarbonato)
Defesa pós-epitelial
Suprimento sanguíneo, responsável tanto pelo aporte de oxigênio e nutrientes quanto pela remoção de metabólitos)

Obs. Outro fator agravante é a adição de enzimas proteolíticas duodenais ao suco gástrico pelo processo de refluxo duodenogástrico.

Obs. Os mecanismo responsáveis por sintomas extraesofágicos da DGRE, como tosse e broncoespasmo, nem sempre são resumidos a aspiração com lesão da mucosa respiratória podendo ser também atribuídos a estimulação do nervo vago no esôfago distal induzindo reflexo da tosse.

Obs. No caso de granulomas de cordas vocais e estenose subglótica, é necessário, provavelmente, o contato direto com a mucosa das vias respiratórias.



Sintomatologia

a)    Sintomas típicos: os sintomas clássicos da DRGE são: 1) pirose (sensação de queimação retroesternal, ascendente em direção ao pescoço) e 2) regurgitação (retorno de conteúdo gástrico, ácido ou amargo, até a faringe). Os pacientes podem relatar melhora dos sintomas após uso de antiácidos. A piora dos sintomas pode ocorrer no período pós-prandial, em decúbito dorsal e lateral direito.
b)    Sintomas atípicos: é importante neste caso estabelecer diagnóstico diferencial com outras patologias que podem gerar a mesma sintomatologia da DRGE: acalasia, dor coronariana, ulcera péptica duodenal e câncer precoce de esôfago. As manifestações atípicas podem ser esofágicas (no caso da dor torácica não-cardíaca), pulmonares, otorrinolaringológicas e orais. No quadro a seguir cada manifestação será melhor descrita:



c)    Sinais de alerta: sugerem formas mais agressivas ou complicações da doença: odinofagia, disfagia, sangramento, anemia e emagrecimento.

Diagnóstico
O diagnóstico da DRGE típica é realizado a partir de anamnese detalhada capaz de identificar as seguintes características dos sintomas: intensidade, duração, frequência, fatores desencadeantes e de melhora, evolução da enfermidade ao longo do tempo e o impacto na qualidade de vida do paciente.

A frequência e duração dos sintomas deve ser questionada. É consenso que pacientes que apresentam sintomas com frequência mínima de 2 vezes por semana em um período de 4 a 8 semanas devem ser considerados suspeitos para DRGE.

É importante na abordagem inicial saber a idade do paciente, manifestações de alarme, história familiar de câncer, náuseas e vômitos, sintomas de grande intensidade e intercorrências noturnas. Neste caso a avaliação endoscópica é de vital importância.

Propedêutica complementar

a)    Endoscopia digestiva alta (EDA) com biopsia: é o método de escolha para avaliar lesões na DRGE, permitindo avaliar a gravidade da esofagite, e realizar biopsia onde e quando necessário. São consideradas lesões: erosões, úlceras, estenose péptica e esôfago de Barrett.
Deve ser ressaltado que a ausência de lesões na endoscopia não exclui o diagnóstico de DRGE, uma vez que 25 a 50% dos pacientes com a doença apresentam EDA sem alterações. Neste caso estes pacientes são classificados de acordo com a pHmetria em: 1)doença do refluxo não erosiva e 2) pirose funcional.

O achado acidental de hérnia de hiato por endoscopia (ou radiológico) não deve ser necessariamente diagnóstico de DRGE. Considera-se hérnia de hiato quando o pinçamento diafragmático gera uma diferença ≥ 2cm com a linha Z .  

Em resumo as principais indicações para a realização da EDA são:

·         Excluir outras doenças ou complicações da DRGE principalmente na presença de sinais de alarme.
·         Pesquisar a presença de esôfago de Barret em pacientes com sintomas de longa duração.
·         Avaliar a gravidade da esofagite
·         Orientar o tratamento e fornecer informações sobre a tendência de cronicidade do processo.

Em relação a biopsia de esôfago, as seguintes proposições são propostas:

·         Paciente com ulcera e/ou estenose
·         Reepitelização com mucosa colunar, circunferencial ou não, de extensão maior ou igual a 2cm, acima do limite das pregas gástricas, na qual o diagnóstico endoscópico deve ser enunciado como sugestivo de esôfago de Barrett.
·         Reepitelização com mucosa colunar de extensão inferior a 2cm. O diagnóstico deve ser enunciado como sugestivo de epitelização colunar do esôfago distal.

Obs. É importante enfatizar a contra-indicação de biopsia em caso de fase aguda da esofagite erosiva, sem ulcera, estenose ou suspeita de metaplasia colunar.

b)    pHmetria esofágica prolongada: permite o diagnóstico de DRGE por demonstrar a presença de refluxo ácido gastroesofágico anormal. A pHmetria está indicada nas seguintes situações:
·         Pacientes com sintomas típicos de DRGE que não apresentam resposta satisfatória ao IBP e nos quais o exame endoscópico não revelou dano à mucosa esofágica. Neste caso realizar o exame na vigência da medicação (cerca de 10 dias).
·         Pacientes com manifestações atípicas extra-esofágicas sem evidencia de esofagite.
·         Pré-operatório nos casos em que o exame endoscópico não demonstrou esofagite.
Obs. A pHmetria prolongada não se presta ao diagnóstico da esofagite de refluxo, mas sim do RGE em si.
Obs. O refluxo é considerado patológico quando o pH intra-esofágico se mantém abaixo de 4 por mais de 4% do tempo total de duração do exame.

c)    Estudo radiológico (REED): as principais informações que o exame radiológico pode oferecer referem-se a avaliação da anatomia esofágica, como nas lesões estenosantes do esôfago e alterações motoras pelo achado de ondas terciárias e espasmos do órgão. A indicação do método radiológico está restrita ao esclarecimento da disfagia e odinofagia.
d)    Exame cintilográfico: apresenta indicações restritas estando reservado para casos onde exista suspeita de aspiração pulmonar de conteúdo gástrico, pacientes que não toleram a pHmetria ou nos casos que exista necessidade de determinar o tempo de esvaziamento gástrico.
e)    Manometria esofágica: destina-se a investigar
·         Peristalse ineficiente do esôfago em pacientes com indicação de tratamento cirúrgico, com o objetivo de permitir ao cirurgião considerar a possibilidade de fundoplicatura parcial.
·         Localização precisa do EIE para permitir a correta instalação do eletrodo de pHmetria.
·         Presença de distúrbio motor esofágico associado, com as doenças do colágeno e espasmo esofágico difuso.
·         O peristaltismo esofágico e alterações do tônus do EIE em pacientes com falta de resposta adequada ao tratamento clínico ou cirúrgico.
d)    Teste terapêutico: pacientes com menos de 40 anos com sintomas típicos (com frequência < 2 por semana) e sem sinais de alarme podem receber como conduta diagnóstica inicial terapêutica com IBP em dose plena (como alternativa utilizar BH2) por um período de 4 semanas. Devem simultaneamente serem promovidas ações comportamentais. Caso a resposta após este período seja satisfatória ao teste nos permite inferir o diagnóstico de DRGE.



Tratamento clínico

a)    Tratamento comportamento: ver tabela abaixo.



b)    Tratamento farmacológico

Inibidores da bomba de prótons (IBP): é capaz de aliviar os sintomas mais rapidamente e cicatrizar as lesões na maior parte dos pacientes. A resposta inicial aos IBP é fator preditivo de sucesso do tratamento a longo prazo. Estes medicamentos devem sempre ser ingeridos antes das refeições. O controle dos sintomas atípicos é mais difícil que o dos típicos necessitando frequentemente do uso de dose dupla de IBP. Os pacientes que não apresentarem resposta satisfatória ao tratamento com IBP em 12 semanas devem ter a dose dobrada por mais 12 semanas antes de serem considerados como insucesso terapêutico.

Antagonistas H2: os antagonistas dos receptores H2 da histamina (ranitidina, cimetidina, famotidina, nizatidina) são drogas seguras e bem toleradas, porem tem curta duração de ação (4 e 8h) e resultam em inibição incompleta da secreção ácida. Consequentemente necessitam de múltiplas doses para tratar DRGE. Alem disso, ocorre declínio da inibição da secreção acida após duas semanas de uso do medicamento.


Procinéticos: só são uteis em pacientes com sintomas dispépticos. Dentre os medicamentos disponíveis podemos citar a domperidona que é um antagonista da dopamina e a metoclopramida que não é considerada boa escolha diante de seus efeitos colaterais a nível de SNC.

c)    Tratamento cirúrgico: consiste na recolocação do esôfago na cavidade abdominal, aproximação dos hilos diafragmáticos (hiatoplastia) e envolvimento do esôfago distal pelo fundo gástrico (fundoplicatura).

Complicações da DRGE

a)    Esôfago de Barret: é uma condição em que um epitélio colunar associado à metaplasia intestinal substitui o epitélio escamoso normal que recobre o esôfago distal. Trata-se, na grande maioria das vezes, de uma sequela da DRGE de longa duração. A grande preocupação com essa entidade é a predisposição gerada para adenocarcinoma.
b)    Esofagite erosiva: configura o grupo mais facilmente identificável e com alterações fisiopatológicas mais claras. A visualização endoscópica de erosões esofágicas sela o diagnóstico de doença do refluxo.
c)    Estenose péptica: a DRGE é responsável por 70% das estenose de esôfago. O sintoma mais comum neste caso é a disfagia esofágica. Na propedêutica destes pacientes geralmente utilizamos EDA e REED.

Semiologia do esôfago

As afecções esofágicas manifestam-se por sintomas de um modo geral muito específicos, o que permite ao médico, através de uma anamnese detalhada, estabelecer o diagnóstico correto na maioria dos casos.

Os sintomas cardinais e quase patognomônicos da doença esofágica são a disfagia e a pirose, resultantes de distúrbios nas duas funções básicas do esôfago: a de transporte do bolo alimentar da faringe ao estômago e a prevenção do refluxo gastroesofágico.

Disfagia: significa dificuldade para deglutir ou transportar o alimento até o estômago. Pode ser de dois tipos: 1) orofaríngea e 2) esofagiana.

·         Disfagia orofaríngea: decorre de anormalidades que afetam a atividade neuromuscular da musculatura estriada da boca, faringe ou do EES. É de modo geral considerada um problema no início da deglutição, devido a dificuldade de transferir o alimento da boca para o esôfago proximal. Queixas: impactação do alimento na garganta, regurgitação nasal e tosse durante a deglutição. Apresentação clínica: durante a deglutição o paciente mantém a cabeça ereta, afasta os ombros para trás e eleva o queixo na tentativa de facilitar a transferência do alimento da faringe para o esôfago. Associação: disartria, astenia, paresias, distúrbios do sono e déficit neurológico focal, doença de Parkinson, paralisia cerebral, AVE, poliomielite dentre outros.
·         Disfagia esofagiana: resulta de vários defeitos estruturais ou neuromusculares que acometem a musculatura lisa do órgão e o EIE. Queixas: incapacidade de engolir o alimento que para após a deglutição. Apresentação clínica: muitas vezes o paciente indica com a mão onde o alimento para. A disfagia esofagiana pode ser dividida em: 1) obstrutiva e 2) motora.
Ø  Obstrutiva: é causada por doença intrínseca ou extrínseca ao esôfago que diminui a luz do esôfago impedindo a passagem do alimento. As principais afecções deste grupo são os carcinomas e a estenose péptica do esôfago. No caso de carcinoma a a disfagia é progressiva.
Ø  Motora: causada por doenças que alteram a atividade peristáltica do corpo esofágico e/ou junção do EIE, seja por lesão nervosa ou muscular. O megaesôfago é o principal representante deste grupo.

Perguntas pertinentes na anamnese
Você tem dificuldade para iniciar a deglutição? Indica disfagia orofaríngea.
O alimento “para” no trajeto para o estômago? Indica disfagia esofagiana.
A dificuldade é para sólidos, líquidos ou os dois? Sólido indica estenose. Para os dois indica distúrbio da motilidade.
Na hora que o alimento para você o regurgita ou consegue com um liquido faze-lo chegar ao estômago? Se regurgitar: indica estenose/ Se consegue com líquido: sugere distúrbio motor decorrente de alteração no peristaltismo.
A dificuldade de engolir vem piorando com o tempo? Se piorou em um curto período de tempo: sugere neoplasia maligna, se o período for longo é mais sugestivo de estenose péptica resultante de esofagite de refluxo.


Odinofagia: significa deglutição dolorosa. Pode manifestar-se por queimação ou dor em cólica. Porem pelo fato de ocorrer apenas durante a deglutição é distinguida facilmente de pirose. A dor resulta muita das vezes do contato do bolo alimentar com uma lesão do esôfago.

Globus: traduz uma sensação de obstrução na garganta, que não interfere na deglutição e muitas das vezes se alivia com ela. Ao contrário da disfagia nem sempre o globus está relacionado a doença orgânica. Porem pode ser observado em DRGE, afecções na faringe, laringe ou pescoço.

Pirose: pode ser definida como uma sensação de dor em queimação, localizada na região retroesternal, de duração variável, podendo irradiar-se para abdome superior, garganta, regiões anterolaterais do tórax e, menos frequentemente, para mandíbulas e mmss. Apresentação clínica: paciente espalma sua mão sobre o esterno e movimenta-a entre o manúbrio e o apêndice xifoide. Predileção de horário do acometimento: ocorre principalmente após as refeições principalmente aquelas copiosas e gordurosas. Fisiopatologia da pirose: 1) ação nociva dos componentes do suco gástrico principalmente o HCl, que estimularia terminações nervosas sensoriais da mucosa esofagiana e 2) espasmo da musculatura esofagiana em resposta a agressão provocada pelo material refluído.

Regurgitação: definida como a volta do conteúdo gástrico e/ou esôfago à cavidade oral, não acompanhada de náusea, vômito ou contração abdominal. Frequentemente ocorre associada a uma eructação, ou outra manobra que aumente a pressão intra-abdominal. O gosto será amargo quando o material conter bile e ácido quando vier do estômago. Quando ocorre pela manhã em jejum é denominada pituíta. A regurgitação pode ser: 1) dinâmica ou 2) estática.
Ø  Dinâmica: decorrente de contrações espasmódicas do esôfago lançando o conteúdo para cima
Ø  Estática: ocorre quando o paciente assume posição de decúbito e que está associada a aspiração. 

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