Megaesôfago Chagásico
João Lage
Introdução
O esôfago é sede de alterações
funcionais que produzem sintomas, conhecidos como distúrbios motores do esôfago
(DME).
Os DME são divididos topograficamente
em: 1) distúrbios da musculatura estriada e 2) distúrbios da musculatura lisa.
No primeiro caso o acometimento será na faringe e esfíncter esofágico superior
e no segundo caso relativo ao corpo do esôfago e EIE. Tais distúrbios podem ser
primários quando a alteração esofágica é a própria manifestação da doença ou
secundários quando alguma doença de base sistêmica causa comprometimento do
esôfago.
Conceitos
Acalasia (AC): doença
caracterizada por: 1) ausência de relaxamento do EIE e 2) ausência de
peristaltismo do corpo esofágico. Esta poderá ser idiopática (comum em países
nórdicos) ou chagásica (comum em países sul-americanos a exemplo do Brasil).
Megaesôfago: expressão
anatômica da acalasia chagásica em estágio mais avançado.
Epidemiologia
A AC idiopática é relativamente
incomum, sendo responsável por 8 a 14% das causas de disfagia nos países em que
não existe doenças de Chagas.
A distribuição entre sexo masculino e
feminino é praticamente igual podendo ser encontrada em qualquer idade porem
sendo diagnosticada principalmente entre 30 e 60 anos.
Nos países onde a doença de Chagas é
endêmica (Brasil, Argentina, Chile, Bolívia e Venezuela), observa-se elevado
número de pessoas acometidas pela doença.
No Brasil, há um franco predomínio da
acalasia chagásica, devido a endemicidade da doença, e as áreas mais acometidas
estão nos estados de Goiás, São Paulo, Bahia e Minas Gerais.
Etiopatogenia
AC
chagásica: existe
correlação anatomopatológica entre a doenças de Chagas e o megaesôfago,
identificando a forma de leishmânia (amastigota) do T. cruzi na musculatura do esôfago de pacientes com esta alteração,
provenientes de área endêmica de doença de Chagas.
Ocorre a desnervação que se segue
reduz as células nervosas do plexo mioentérico, que repercute na fisiologia
motora de vários segmentos. No
entanto, sua consequência maior é no esôfago e cólon, em função da fisiologia
destes órgãos. São duas as teorias que tentam explicar a destruição do plexo
mioentérico: 1) neurotóxica (substancias neurolíticas liberadas pelo T. cruzi
destruiriam o neurônio. Esta destruição estaria reservada a fase aguda da
doença, e suas consequências surgiriam meses ou anos depois. 2) autoimune, em
que haveria a liberação de antígenos a partir da forma amastigota, que se
depositariam nas células neuronais sensibilizando-as. A partir daí seriam
formados autoanticorpos contra essas células levando a sua destruição.
Fisiopatologia
O substrato fisiopatológico da
acalasia, seja chagásica ou idiopática, é a desnervação esofágica,
caracterizada pela destruição do plexo mioentérico do esôfago, havendo
evidências também de degeneração de fibras aferentes vagais e do núcleo dorsal
motor do vago.
Ocorre a perda dos neurônios do plexo
miontérico que inervam o EIE e que através dos neurotransmissores NO e VIP
causam o relaxamento do esfíncter, dessa forma, o relaxamento será ausente ou
incompleto dificultando a passagem do alimento para o estômago.
A destruição neuronal leva a
alterações motoras e na própria musculatura do esôfago, que vão se instalando
de forma progressiva, as quais devemos citar:
·
Falta
de peristaltismo;
·
Ausência
de abertura ou abertura incompleta do EIE (acalasia)
·
Ondas
terciárias e espontâneas, o que denota a hipersensibilidade do órgão desnervado
nas fases iniciais. Estas geram assincronia de movimentos.
·
Estase
do conteúdo esofágico
·
Hipertrofia
da musculatura
·
Progressiva
atrofia muscular, por exaustão e hipoxia
·
Dilatação
progressiva
·
Metaplasia
epitelial e malignização
Assim inicialmente temos um quadro de
aperistalse e acalasia, estase alimentar e intensa atividade motora do órgão,
apresentando-se a musculatura hipertrofiada e o esôfago sem dilatação.
Tardiamente observa-se exaustão das
fibras musculares, sua distensão e atrofia por hipóxia, tendo como consequência
a dilatação e diminuição da espessura do esôfago sendo o tecido muscular
substituído por tecido conjuntivo denso.
Como já foi dito anteriormente na
seção de etiopatogenia o mecanismo de destruição neuronal suscitou a elaboração
de teorias para sua ocorrência, sendo elas:
1)
Parasitismo
direto da célula nervosa;
2)
Neurotoxinas
3)
Mecanismo
auto-imune
Níveis de destruição que atingem 50%
determinam desorganização de toda a atividade motora, enquanto que níveis de
95% dessa alteração levam a dilatação progressiva do órgão em questão.
No megaesôfago não existe obstáculo
orgânico ou hipertonia do EIE impedindo a passagem do bolo alimentar, mas sim
falta de coordenação do impulso nervoso. Com isso não existe peristaltismo no
corpo do esôfago e, portanto, o bolo alimentar caminha basicamente pela força
gravitacional. Simultaneamente, o EIE abre-se de forma irregular independente do
estimulo da deglutição e, em consequência, ocorre estase alimentar.
A estase constitui estimulo para
contrações do corpo do esôfago, que tenta vencer o obstáculo funcional
representado pelo EIE. De início as contrações são intensas e progressivamente
perdem sua força, ao mesmo tempo que as fibras musculares, que no começo
apresentaram hipertrofia vão alongando e gradativamente sendo substituídas por
tecido conjuntivo.
A estase gerada contribuirá para a
formação de esofagite, ulceras e leucoplasia. 3% dos casos podem evoluir para
carcinoma espinocelular.
Alem dos fenômenos já descritos
ocorrerá uma hipersalivação e uma hipossecreção de suco gástrico.
Diagnóstico
Quadro
clínico
A doença possuí um caráter crônico
sendo que os sintomas costumam iniciar em torno de 3 a 5 anos antes do
diagnóstico definitivo.
A queixa mais comum é a disfagia
apresentada por 100% dos pacientes em algum momento da evolução da doença. A
disfagia é inicialmente intermitente e depois lentamente progressiva, tanto
para líquidos quanto para sólidos, podendo apresentar-se como disfagia
paradoxal, isto é apenas para líquidos. É percebida principalmente no terço
distal da região retroesternal, porem algumas pacientes a referem ao nível da
fúrcula esternal sendo neste caso diferenciado da disfagia orofaríngea por
ocorrer após a deglutição não estar associada a engasgos.
Muitos executam manobras de alivio
como elevação dos braços e rotação da cabeça, inspiração profunda, ingestão de
líquidos. Ansiedade ou emoções fortes podem agravar a disfagia.
As regurgitações ocorrem com
frequência, no início com material semelhante a clara de ovo o que corresponde
à estase salivar. À medida que avança ocorre regurgitação até horas após a
ingestão, principalmente a noite, provocando tosse, engasgos, sensação de
sufocação, o que desperta o paciente. Outros referem acordar com travesseiro
manchado de líquidos ou secreção contendo restos alimentares, e alguns evoluem
com pneumonias de repetição devido à broncoaspiração.
Emagrecimento é um sintoma bem
frequente sendo referido por 70 a 80% dos pacientes. Ante pacientes de idade
mais avançada e com rápido emagrecimento, impõe-se o diagnóstico diferencial
com Ca de esôfago e de fundo gástrico, invadindo o órgão em sua porção distal.
Nas fases iniciais pode haver dor
torácica abdominal de localização retroesternal irradiada para mandíbula. Esta
dor geralmente surge espontaneamente e melhora com a ingestão de líquidos
(principalmente gelados) e com eructação.
Alguns indivíduos queixam-se de pirose
sendo esta devido a acidificação dos alimentos provocada pela fermentação
alimentar no interior do esôfago.
Tosse noturna é apresentada por cerca
de 20% dos pacientes sendo, não raramente, acompanhada de infecção
respiratória.
Pode ocorrer sialorreia em grande
quantidade, surgindo durante a alimentação, acompanhado de disfagia ou dor
torácica. Nos pacientes com Chagas viu-se que a sialorreia acompanha-se de
hipertrofia das glândulas salivares, especialmente das parótidas. Isto se deve
ao fato de que as glândulas por estares desnervadas apresentam hipertrofia e
hiperatividade funcional ao reflexo esôfago salivar de Roger, exacerbado ainda
pela estase alimentar e irritação constante da mucosa gástrica.
Soluços e singultos podem ser observados
na fase inicial da esofagopatia, durante a alimentação, acompanhando a
disfagia.
Muitos pacientes referem constipação
intestinal. Esta pode ser atribuída a: 1) diminuição do consumo de fibras
devido à disfagia para ingeri-las e 2) devido ao megacólon associado.
A associação ao megacólon pode ser
notada palpando-se o quadrante inferior esquerdo do paciente e notando um
fecaloma na região.
Sintomas cardíacos devem ser
pesquisados nestes pacientes a fim de estabelecer relação com cardiopatias.
Diagnóstico
etiológico
Deverá ser feito de acordo com a fase
da doença: aguda ou crônica. Neste caso os dois métodos laboratoriais para a
investigação são: sorológicos e parasitológicos a serem analisados a seguir.
Fase
aguda
·
Critério parasitológico: presença de parasitos circulantes
demonstráveis no exame direto do sangue periférico.
Ø
Principal:
teste direto a fresco
Ø
Alternativa
em caso de teste direto negativo ou após 30 dias de sintomatologia: testes
de concentração micro-hematócrito, Teste de Strout e QBC.
Ø
Alternativa
caso a sintomatologia permaneça com teste direto e de concentração negativos: associar
PCR com técnicas sorológicas (pesquisa de IgM).
·
Critério sorológico: a presença de anticorpos
anti-T. cruzi da classe IgM no sangue periférico é considerada indicativa da
fase aguda, particularmente quando associada a alterações clínicas e
epidemiológicas sugestivas. Atualmente existem dificuldades para realizar
testes sorológicos na fase aguda devido a falta de kits comerciais registrados na ANVISA. Tirando esse adendo os
exames sorológicos plausíveis são:
Ø
IFI-IgM:
imunofluorescência indireta com pesquisa de IgM.
Ø
Western-blot
(WB)
Ø
ELISA-IgM
Fase
crônica
·
Critério parasitológico: devido a parasitemia subpatente na
fase crônica, os métodos parasitológicos tradicionais são de baixa
sensibilidade, o que implica em pouco valor diagnóstico tornando desnecessária
sua realização para manejo clínico.
Ø
Hemocultura
Ø
Xenodiagnóstico
·
Critério sorológico: considera-se indivíduo infectado pelo T. cruzi aquele que apresenta anticorpos
anti-IgG identificados por dois testes sorológicos de princípios distintos ou
com diferentes preparações antigênicas.
Ø
IFI
Ø
ELISA
Ø
HAI
Obs.
O teste ou reação de
Machado Guerreiro deve ser abandonado, pois o mesmo utiliza proteínas dos
sistema complemento que são extremamente termolábeis implicando em que o
reagente frequentemente se torne inadequado para reação.
Avaliação
esofágica
o
Esofagografia: os achados sugestivos de AC são
retardo do meio de contraste, ausência de peristalse do órgão com ou sem
contrações terciárias, junção gastroesofágica afilada com aspecto de “bico de
pássaro” e os diferentes graus de dilatação esofágica. Existem classificações de
megaesôfago que são empregadas para definir o grau de avanço da doença por mio
da mensuração do diâmetro distal do esôfago, auxiliando na opção terapêutica e
avaliação prognóstica. A classificação de Rezende pode ser vislumbrada abaixo
Classificação
de Rezende (1982)
|
|
Grau I
|
Diâmetro
do esôfago normal, com transito lento e coluna retida de meio de contraste de
nível plano
|
Grau II
|
Pequena/moderada
dilatação, retenção evidente da coluna baritada e contrações terciárias
|
Grau III
|
Grande
dilatação, grande retenção de contraste, hipotonia ou atonia
|
Grau IV
|
Grande
dilatação com tortuosidade
|
o
EDA: o seu papel mais importante é a
exclusão de alteração orgânica como causa da disfagia e eventualmente
diagnóstico de complicações da AC. Muitas vezes, se inicia a avaliação da
disfagia pelo método endoscópico e, em caso de normalidade, o paciente deve ser
submetido a esôfagomanometria ou estudo radiológico. O achado de líquidos ou
restos alimentares após jejum sugere o diagnóstico.
o
Esofagomanometria (EM): alem de confirmar o diagnóstico (em
geral, sugerido pela EDA e/ou esofagografia), é realizada com o objetivo de
avaliar o relaxamento e a pressão do EIE pré e pós-tratamento, alem de orientar
o local de posicionamento do cateter da pHmetria prolongada, em casos em que o
exame for utilizado. Os achados mais importantes da EM são: falta de relaxamento
ou relaxamento incompleto do EIE e aperistalse do corpo esofágico.
Tratamento
Os objetivos de qualquer terapêutica
na AC são: 1) aliviar os sintomas, 2) melhorar ou aliviar o esvaziamento
esofágico e 3) prevenir o desenvolvimento de megaesôfago e suas complicações.
Todas as opções terapêuticas, com exceção da esofagectomia, objetivam diminuir
a pressão do EIE para desobstruir o transito alimentar.
Medicamentos
Ø
Nitratos: aumentam a concentração de óxido
nítrico nas células musculares lisas, resultando em relaxamento. A
administração por via sublingual, os nitratos reduzem a pressão do EIE dentro
de 15 minutos e seus efeitos persistem por até 90 minutos.
Ø
Antagonistas do canal de cálcio
(difedipeno 10 a 30mg/dia): também
inibem a musculatura lisa e agem 30 minutos após sua administração via
sublingual, na redução da pressão do EIE.
Toxina
botulínica
Potente inibidor da acetilcolina, de
ação excitatória no tônus do EIE, tem sido usada em injeções endoscópicas com
reduções dos sintomas do paciente, da pressão do EIE e do diâmetro esofágico. A técnica consiste na injeção de 20 a 25U em
cada um dos quatro quadrantes da região do EIE. Sugere-se que os melhores
candidatos à BoTox sejam: idosos com comorbidades e pacientes com alto risco
cirúrgico, falha no tratamento cirúrgico falência a resposta a múltiplas
dilatações em pacientes com risco cirúrgico alto, dilatação pneumática com
perfuração e associação com divertículo epifrênico.,
Dilatação
pneumática da cárdia (DPC)
Consiste no tratamento conservador
definitivo mais frequentemente empregado para o tratamento de AC. Tem como
objetivo romper as fibras do EIE, reduzindo sua pressão e a obstrução funcional
do esôfago. A consequência é a melhora do esvaziamento esofágico e da disfagia.
Tratamento
cirúrgico
Pode ser feito PR técnicas
conservadoras (esofagomiotomias) ou cirurgias mais invasivas (esofagoplastia e
esofagectomia). A técnica mais empregada é a esofagectomia de Heller.
Disfagia:
significa dificuldade
para deglutir ou transportar o alimento até o estômago. Pode ser de dois tipos:
1) orofaríngea e 2) esofagiana.
·
Disfagia
orofaríngea: decorre
de anormalidades que afetam a atividade neuromuscular da musculatura estriada
da boca, faringe ou do EES. É de modo geral considerada um problema no início
da deglutição, devido a dificuldade de transferir o alimento da boca para o
esôfago proximal. Queixas: impactação
do alimento na garganta, regurgitação nasal e tosse durante a deglutição. Apresentação clínica: durante a
deglutição o paciente mantém a cabeça ereta, afasta os ombros para trás e eleva
o queixo na tentativa de facilitar a transferência do alimento da faringe para
o esôfago. Associação: disartria,
astenia, paresias, distúrbios do sono e déficit neurológico focal, doença de
Parkinson, paralisia cerebral, AVE, poliomielite dentre outros.
·
Disfagia
esofagiana: resulta
de vários defeitos estruturais ou neuromusculares que acometem a musculatura
lisa do órgão e o EIE. Queixas: incapacidade
de engolir o alimento que para após a deglutição. Apresentação clínica: muitas vezes o paciente indica com a mão onde
o alimento para. A disfagia esofagiana pode ser dividida em: 1) obstrutiva e 2)
motora.
Ø
Obstrutiva:
é causada por doença intrínseca ou extrínseca ao esôfago que diminui a luz do
esôfago impedindo a passagem do alimento. As principais afecções deste grupo
são os carcinomas e a estenose péptica do esôfago. No caso de carcinoma a a
disfagia é progressiva.
Ø
Motora:
causada por doenças que alteram a atividade peristáltica do corpo esofágico
e/ou junção do EIE, seja por lesão nervosa ou muscular. O megaesôfago é o
principal representante deste grupo.
Muito bom.... parabéns!!!!
ResponderExcluirGostei bastante! muito bem explicado.
ResponderExcluirmuito bom!
ResponderExcluir