sexta-feira, 5 de julho de 2013

MEGAESÔFAGO CHAGÁSICO

,



Megaesôfago Chagásico 

 João Lage

Introdução
O esôfago é sede de alterações funcionais que produzem sintomas, conhecidos como distúrbios motores do esôfago (DME).
Os DME são divididos topograficamente em: 1) distúrbios da musculatura estriada e 2) distúrbios da musculatura lisa. No primeiro caso o acometimento será na faringe e esfíncter esofágico superior e no segundo caso relativo ao corpo do esôfago e EIE. Tais distúrbios podem ser primários quando a alteração esofágica é a própria manifestação da doença ou secundários quando alguma doença de base sistêmica causa comprometimento do esôfago.
Conceitos
Acalasia (AC): doença caracterizada por: 1) ausência de relaxamento do EIE e 2) ausência de peristaltismo do corpo esofágico. Esta poderá ser idiopática (comum em países nórdicos) ou chagásica (comum em países sul-americanos a exemplo do Brasil).
Megaesôfago: expressão anatômica da acalasia chagásica em estágio mais avançado.
Epidemiologia
A AC idiopática é relativamente incomum, sendo responsável por 8 a 14% das causas de disfagia nos países em que não existe doenças de Chagas.
A distribuição entre sexo masculino e feminino é praticamente igual podendo ser encontrada em qualquer idade porem sendo diagnosticada principalmente entre 30 e 60 anos.
Nos países onde a doença de Chagas é endêmica (Brasil, Argentina, Chile, Bolívia e Venezuela), observa-se elevado número de pessoas acometidas pela doença.
No Brasil, há um franco predomínio da acalasia chagásica, devido a endemicidade da doença, e as áreas mais acometidas estão nos estados de Goiás, São Paulo, Bahia e Minas Gerais.
Etiopatogenia
AC chagásica: existe correlação anatomopatológica entre a doenças de Chagas e o megaesôfago, identificando a forma de leishmânia (amastigota) do T. cruzi na musculatura do esôfago de pacientes com esta alteração, provenientes de área endêmica de doença de Chagas.
Ocorre a desnervação que se segue reduz as células nervosas do plexo mioentérico, que repercute na fisiologia motora de vários segmentos. No entanto, sua consequência maior é no esôfago e cólon, em função da fisiologia destes órgãos. São duas as teorias que tentam explicar a destruição do plexo mioentérico: 1) neurotóxica (substancias neurolíticas liberadas pelo T. cruzi destruiriam o neurônio. Esta destruição estaria reservada a fase aguda da doença, e suas consequências surgiriam meses ou anos depois. 2) autoimune, em que haveria a liberação de antígenos a partir da forma amastigota, que se depositariam nas células neuronais sensibilizando-as. A partir daí seriam formados autoanticorpos contra essas células levando a sua destruição.
Fisiopatologia
O substrato fisiopatológico da acalasia, seja chagásica ou idiopática, é a desnervação esofágica, caracterizada pela destruição do plexo mioentérico do esôfago, havendo evidências também de degeneração de fibras aferentes vagais e do núcleo dorsal motor do vago.
Ocorre a perda dos neurônios do plexo miontérico que inervam o EIE e que através dos neurotransmissores NO e VIP causam o relaxamento do esfíncter, dessa forma, o relaxamento será ausente ou incompleto dificultando a passagem do alimento para o estômago.
A destruição neuronal leva a alterações motoras e na própria musculatura do esôfago, que vão se instalando de forma progressiva, as quais devemos citar:
·         Falta de peristaltismo;
·         Ausência de abertura ou abertura incompleta do EIE (acalasia)
·         Ondas terciárias e espontâneas, o que denota a hipersensibilidade do órgão desnervado nas fases iniciais. Estas geram assincronia de movimentos.
·         Estase do conteúdo esofágico
·         Hipertrofia da musculatura
·         Progressiva atrofia muscular, por exaustão e hipoxia
·         Dilatação progressiva
·         Metaplasia epitelial e malignização
Assim inicialmente temos um quadro de aperistalse e acalasia, estase alimentar e intensa atividade motora do órgão, apresentando-se a musculatura hipertrofiada e o esôfago sem dilatação.
Tardiamente observa-se exaustão das fibras musculares, sua distensão e atrofia por hipóxia, tendo como consequência a dilatação e diminuição da espessura do esôfago sendo o tecido muscular substituído por tecido conjuntivo denso.
Como já foi dito anteriormente na seção de etiopatogenia o mecanismo de destruição neuronal suscitou a elaboração de teorias para sua ocorrência, sendo elas:
1)    Parasitismo direto da célula nervosa;
2)    Neurotoxinas
3)    Mecanismo auto-imune   
Níveis de destruição que atingem 50% determinam desorganização de toda a atividade motora, enquanto que níveis de 95% dessa alteração levam a dilatação progressiva do órgão em questão.
No megaesôfago não existe obstáculo orgânico ou hipertonia do EIE impedindo a passagem do bolo alimentar, mas sim falta de coordenação do impulso nervoso. Com isso não existe peristaltismo no corpo do esôfago e, portanto, o bolo alimentar caminha basicamente pela força gravitacional. Simultaneamente, o EIE abre-se de forma irregular independente do estimulo da deglutição e, em consequência, ocorre estase alimentar.
A estase constitui estimulo para contrações do corpo do esôfago, que tenta vencer o obstáculo funcional representado pelo EIE. De início as contrações são intensas e progressivamente perdem sua força, ao mesmo tempo que as fibras musculares, que no começo apresentaram hipertrofia vão alongando e gradativamente sendo substituídas por tecido conjuntivo.
A estase gerada contribuirá para a formação de esofagite, ulceras e leucoplasia. 3% dos casos podem evoluir para carcinoma espinocelular.
Alem dos fenômenos já descritos ocorrerá uma hipersalivação e uma hipossecreção de suco gástrico.


Diagnóstico
Quadro clínico
A doença possuí um caráter crônico sendo que os sintomas costumam iniciar em torno de 3 a 5 anos antes do diagnóstico definitivo.
A queixa mais comum é a disfagia apresentada por 100% dos pacientes em algum momento da evolução da doença. A disfagia é inicialmente intermitente e depois lentamente progressiva, tanto para líquidos quanto para sólidos, podendo apresentar-se como disfagia paradoxal, isto é apenas para líquidos. É percebida principalmente no terço distal da região retroesternal, porem algumas pacientes a referem ao nível da fúrcula esternal sendo neste caso diferenciado da disfagia orofaríngea por ocorrer após a deglutição não estar associada a engasgos.
Muitos executam manobras de alivio como elevação dos braços e rotação da cabeça, inspiração profunda, ingestão de líquidos. Ansiedade ou emoções fortes podem agravar a disfagia.
As regurgitações ocorrem com frequência, no início com material semelhante a clara de ovo o que corresponde à estase salivar. À medida que avança ocorre regurgitação até horas após a ingestão, principalmente a noite, provocando tosse, engasgos, sensação de sufocação, o que desperta o paciente. Outros referem acordar com travesseiro manchado de líquidos ou secreção contendo restos alimentares, e alguns evoluem com pneumonias de repetição devido à broncoaspiração.
Emagrecimento é um sintoma bem frequente sendo referido por 70 a 80% dos pacientes. Ante pacientes de idade mais avançada e com rápido emagrecimento, impõe-se o diagnóstico diferencial com Ca de esôfago e de fundo gástrico, invadindo o órgão em sua porção distal.
Nas fases iniciais pode haver dor torácica abdominal de localização retroesternal irradiada para mandíbula. Esta dor geralmente surge espontaneamente e melhora com a ingestão de líquidos (principalmente gelados) e com eructação.      
Alguns indivíduos queixam-se de pirose sendo esta devido a acidificação dos alimentos provocada pela fermentação alimentar no interior do esôfago.
Tosse noturna é apresentada por cerca de 20% dos pacientes sendo, não raramente, acompanhada de infecção respiratória.
Pode ocorrer sialorreia em grande quantidade, surgindo durante a alimentação, acompanhado de disfagia ou dor torácica. Nos pacientes com Chagas viu-se que a sialorreia acompanha-se de hipertrofia das glândulas salivares, especialmente das parótidas. Isto se deve ao fato de que as glândulas por estares desnervadas apresentam hipertrofia e hiperatividade funcional ao reflexo esôfago salivar de Roger, exacerbado ainda pela estase alimentar e irritação constante da mucosa gástrica.
Soluços e singultos podem ser observados na fase inicial da esofagopatia, durante a alimentação, acompanhando a disfagia.
Muitos pacientes referem constipação intestinal. Esta pode ser atribuída a: 1) diminuição do consumo de fibras devido à disfagia para ingeri-las e 2) devido ao megacólon associado.
A associação ao megacólon pode ser notada palpando-se o quadrante inferior esquerdo do paciente e notando um fecaloma na região.
Sintomas cardíacos devem ser pesquisados nestes pacientes a fim de estabelecer relação com cardiopatias.

Diagnóstico etiológico
Deverá ser feito de acordo com a fase da doença: aguda ou crônica. Neste caso os dois métodos laboratoriais para a investigação são: sorológicos e parasitológicos a serem analisados a seguir.
Fase aguda
·         Critério parasitológico: presença de parasitos circulantes demonstráveis no exame direto do sangue periférico.
Ø  Principal: teste direto a fresco
Ø  Alternativa em caso de teste direto negativo ou após 30 dias de sintomatologia: testes de concentração micro-hematócrito, Teste de Strout e QBC.
Ø  Alternativa caso a sintomatologia permaneça com teste direto e de concentração negativos: associar PCR com técnicas sorológicas (pesquisa de IgM).
·         Critério sorológico: a presença de anticorpos anti-T. cruzi da classe IgM no sangue periférico é considerada indicativa da fase aguda, particularmente quando associada a alterações clínicas e epidemiológicas sugestivas. Atualmente existem dificuldades para realizar testes sorológicos na fase aguda devido a falta de kits comerciais registrados na ANVISA. Tirando esse adendo os exames sorológicos plausíveis são:
Ø  IFI-IgM: imunofluorescência indireta com pesquisa de IgM.
Ø  Western-blot (WB)
Ø  ELISA-IgM
Fase crônica
·         Critério parasitológico: devido a parasitemia subpatente na fase crônica, os métodos parasitológicos tradicionais são de baixa sensibilidade, o que implica em pouco valor diagnóstico tornando desnecessária sua realização para manejo clínico.
Ø  Hemocultura
Ø  Xenodiagnóstico
·         Critério sorológico: considera-se indivíduo infectado pelo T. cruzi aquele que apresenta anticorpos anti-IgG identificados por dois testes sorológicos de princípios distintos ou com diferentes preparações antigênicas.
Ø  IFI
Ø  ELISA
Ø  HAI
Obs. O teste ou reação de Machado Guerreiro deve ser abandonado, pois o mesmo utiliza proteínas dos sistema complemento que são extremamente termolábeis implicando em que o reagente frequentemente se torne inadequado para reação.


Avaliação esofágica
o   Esofagografia: os achados sugestivos de AC são retardo do meio de contraste, ausência de peristalse do órgão com ou sem contrações terciárias, junção gastroesofágica afilada com aspecto de “bico de pássaro” e os diferentes graus de dilatação esofágica. Existem classificações de megaesôfago que são empregadas para definir o grau de avanço da doença por mio da mensuração do diâmetro distal do esôfago, auxiliando na opção terapêutica e avaliação prognóstica. A classificação de Rezende pode ser vislumbrada abaixo
Classificação de Rezende (1982)
Grau I
Diâmetro do esôfago normal, com transito lento e coluna retida de meio de contraste de nível plano
Grau II
Pequena/moderada dilatação, retenção evidente da coluna baritada e contrações terciárias
Grau III
Grande dilatação, grande retenção de contraste, hipotonia ou atonia
Grau IV
Grande dilatação com tortuosidade


o   EDA: o seu papel mais importante é a exclusão de alteração orgânica como causa da disfagia e eventualmente diagnóstico de complicações da AC. Muitas vezes, se inicia a avaliação da disfagia pelo método endoscópico e, em caso de normalidade, o paciente deve ser submetido a esôfagomanometria ou estudo radiológico. O achado de líquidos ou restos alimentares após jejum sugere o diagnóstico.
o   Esofagomanometria (EM): alem de confirmar o diagnóstico (em geral, sugerido pela EDA e/ou esofagografia), é realizada com o objetivo de avaliar o relaxamento e a pressão do EIE pré e pós-tratamento, alem de orientar o local de posicionamento do cateter da pHmetria prolongada, em casos em que o exame for utilizado. Os achados mais importantes da EM são: falta de relaxamento ou relaxamento incompleto do EIE e aperistalse do corpo esofágico.
Tratamento
Os objetivos de qualquer terapêutica na AC são: 1) aliviar os sintomas, 2) melhorar ou aliviar o esvaziamento esofágico e 3) prevenir o desenvolvimento de megaesôfago e suas complicações. Todas as opções terapêuticas, com exceção da esofagectomia, objetivam diminuir a pressão do EIE para desobstruir o transito alimentar.
Medicamentos
Ø  Nitratos: aumentam a concentração de óxido nítrico nas células musculares lisas, resultando em relaxamento. A administração por via sublingual, os nitratos reduzem a pressão do EIE dentro de 15 minutos e seus efeitos persistem por até 90 minutos.
Ø  Antagonistas do canal de cálcio (difedipeno 10 a 30mg/dia): também inibem a musculatura lisa e agem 30 minutos após sua administração via sublingual, na redução da pressão do EIE.
Toxina botulínica
Potente inibidor da acetilcolina, de ação excitatória no tônus do EIE, tem sido usada em injeções endoscópicas com reduções dos sintomas do paciente, da pressão do EIE e do diâmetro esofágico.  A técnica consiste na injeção de 20 a 25U em cada um dos quatro quadrantes da região do EIE. Sugere-se que os melhores candidatos à BoTox sejam: idosos com comorbidades e pacientes com alto risco cirúrgico, falha no tratamento cirúrgico falência a resposta a múltiplas dilatações em pacientes com risco cirúrgico alto, dilatação pneumática com perfuração e associação com divertículo epifrênico.,
Dilatação pneumática da cárdia (DPC)
Consiste no tratamento conservador definitivo mais frequentemente empregado para o tratamento de AC. Tem como objetivo romper as fibras do EIE, reduzindo sua pressão e a obstrução funcional do esôfago. A consequência é a melhora do esvaziamento esofágico e da disfagia.
Tratamento cirúrgico
Pode ser feito PR técnicas conservadoras (esofagomiotomias) ou cirurgias mais invasivas (esofagoplastia e esofagectomia). A técnica mais empregada é a esofagectomia de Heller.


Disfagia: significa dificuldade para deglutir ou transportar o alimento até o estômago. Pode ser de dois tipos: 1) orofaríngea e 2) esofagiana.

·         Disfagia orofaríngea: decorre de anormalidades que afetam a atividade neuromuscular da musculatura estriada da boca, faringe ou do EES. É de modo geral considerada um problema no início da deglutição, devido a dificuldade de transferir o alimento da boca para o esôfago proximal. Queixas: impactação do alimento na garganta, regurgitação nasal e tosse durante a deglutição. Apresentação clínica: durante a deglutição o paciente mantém a cabeça ereta, afasta os ombros para trás e eleva o queixo na tentativa de facilitar a transferência do alimento da faringe para o esôfago. Associação: disartria, astenia, paresias, distúrbios do sono e déficit neurológico focal, doença de Parkinson, paralisia cerebral, AVE, poliomielite dentre outros.
·         Disfagia esofagiana: resulta de vários defeitos estruturais ou neuromusculares que acometem a musculatura lisa do órgão e o EIE. Queixas: incapacidade de engolir o alimento que para após a deglutição. Apresentação clínica: muitas vezes o paciente indica com a mão onde o alimento para. A disfagia esofagiana pode ser dividida em: 1) obstrutiva e 2) motora.
Ø  Obstrutiva: é causada por doença intrínseca ou extrínseca ao esôfago que diminui a luz do esôfago impedindo a passagem do alimento. As principais afecções deste grupo são os carcinomas e a estenose péptica do esôfago. No caso de carcinoma a a disfagia é progressiva.
Ø  Motora: causada por doenças que alteram a atividade peristáltica do corpo esofágico e/ou junção do EIE, seja por lesão nervosa ou muscular. O megaesôfago é o principal representante deste grupo.

3 comentários:

comenta ai vai!!