sábado, 6 de julho de 2013

IC

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Insuficiência Cardíaca (IC)


João Lage

Definição
É uma síndrome clínica complexa de caráter sistêmico, definida como disfunção cardíaca que ocasiona inadequado suprimento sanguíneo para atender necessidades metabólicas tissulares, na presença de retorno venoso normal, ou fazê-lo somente com elevadas pressões de enchimento.
Epidemiologia
A insuficiência cardíaca (IC) é a causa mais comum de internação por doenças cardiovasculares. Acomete principalmente indivíduos com mais de 60 anos de idade. A taxa de mortalidade é maior nos idosos e em jovens menores de 20 anos. A doença é mais prevalente e incidente em homens.
Fatores de risco



Etiologia
No Brasil, a principal etiologia da IC é a cardiopatia isquêmica crônica associada à hipertensão arterial. Alem desta forma ainda existem IC associada à doença de Chagas, endomiocardiofibrose e a cardiopatia valvular reumática crônica.

Fisiopatologia
A IC é uma síndrome que pode resultar de muitas doenças cardíacas e sistêmicas. Algumas delas, pelo menos inicialmente não envolvem o coração, e o termo IC pode parecer inadequado. Se persistirem estas condições podem prejudicar o desempenho miocárdico secundariamente como resultado de uma sobrecarga crônica do volume ou pelos efeitos deletérios diretos sobre o miocárdio.
Anormalidades da Função cardíaca
Função Sistólica: no ventrículo normal o volume de ejeção aumenta ao longo de um amplo espectro de volumes diastólicos. Se a contratilidade (estado inotrópico do miocárdio) estiver intensificada como ocorre no exercício este aumento é correspondentemente maior. Na falência cardíaca ocorrerá uma diminuição do volume de ejeção mesmo diante de uma aumento do enchimento ventricular causando congestão pulmonar ou sistêmica, intolerância à atividade e disfunção de órgãos.
Para avaliar a função sistólica geralmente dispõe-se da fração de ejeção (volume de ejeção/volume diastólico final) geralmente expresso em porcentagem. Em situações onde há alterações da pós-carga e insuficiência mitral podem dificultar o uso da fração de ejeção na análise da função sistólica. Tirando estas exceções quando:
·         Fração de ejeção normal (>50%)
·         Fração de ejeção levemente deprimida (40 a 50%)
·         Fração de ejeção moderadamente deprimida (30% a 40%)
·         Fração de ejeção gravemente deprimida (< 30%)
O débito cardíaco (DC) não constituí uma medida eficaz da função sistólica, pois pode ser afetado acentuadamente pela FC, resistência vascular sistêmica e pelo grau de dilatação ventricular esquerda.
A função sistólica tem sua alteração em situações como:
·         Lesão ou disfunção isquêmica: IAM, isquemia miocárdica, hipoperfusão (choque)
·         Sobrecarga crônica da pressão: hipertensão, doença valvar obstrutiva.
·         Sobrecarga crônica de volume: doença valvar regurgitante, Shunt intracárdico esquerdo-direito, shunt extracardíaco.
·         Miocardiopatia dilatada não isquêmica: distúrbios genéticos, lesão tóxica por fármacos, necrose mediada pelo sistema imune, agentes infecciosos, distúrbios metabólicos, processos infiltrativos condições idiopáticas.    
Função diastólica: a diástole compreende a fase do ciclo cardíaco entre o fechamento da válvula aórtica e o fechamento da válvula mitral compreendendo: 1) relaxamento ativo, 2) fase de conduto e 3)contração atrial. Se o miocárdio perder sua complacência ,devido a vários motivos que serão abordados na sequencia, ocorrerá uma dificuldade no enchimento rápido ventricular aumentando a importância da contração atrial no esvaziamento do átrio e enchimento diastólico. Isso acarretará hipertensão atrial esquerda e congestão pulmonar. O DC poderá ficar reduzido quando o enchimento ventricular ficar suficientemente prejudicado. Com a atividade, estas anormalidades se potencializam, acarretando dispnéia aos esforços e intolerância ao exercício. Vale lembrar que o relaxamento do ventrículo é energia-dependente, portanto situações hipoxemicas podem prejudicar este relaxamento. A isquemia miocárdica recorrente, a hipertrofia ventricular patológica, a sobrecarga de volume crônica e o envelhecimento estão associados a fibrose intersticial aumentada e relaxamento diminuído.
A função diastólica tem sua alteração em situações como:
·         Hipertrofia miocárdica patológica: 1) primária (miocardiopatia hipertrófica) e 2) secundária (hipertensão).
·         Envelhecimento
·         Fibrose isquêmica
·         Miocardiopatia restritiva: 1) distúrbios infiltrativos (amiloidose, sarcoidose), 2) doenças de estocagem ( hemocromatose, anormalidades genéticas)
·         Distúrbios endomiocárdicos
Pré-carga ventricular: em contraste com um ventrículo normal a redução da pré-carga tem pouco efeito sobre as pressões de enchimento ventricular esquerda, enquanto um aumento na pré-carga não melhora a função sistólica, mas sim agrava ainda mais a congestão pulmonar. A redução da pré-carga pela diurese ou pela redução do retorno venoso pela vasodilatação geralmente apresenta um efeito clínico benéfico na IC.
Pós - carga ventricular: a qualquer pressão arterial pré-determinada, a pós-carga é aumentada em um ventrículo fino e dilatado e diminuída em um ventrículo menor ou mais espesso. A pós-carga aumentada tem um efeito similar ao da contratilidade deprimida, de modo que a redução da pós-carga pode melhorar o desempenho cardíaco.
Frequência cardíaca e ritmo cardíaco: a FC altera o desempenho cardíaco de duas formas: 1) aumentando o estado inotrópico, 2) altera o DC. A taquicardia, no entanto prejudica o desempenho ventricular, e a função cardíaca geralmente melhora com o controle das taquiarritmias como a fibrilação atrial.
Um excelente desempenho cardíaco depende de uma sequencia bem coordenada de contração. Os pacientes com IC geralmente apresentam anormalidades na contração ventricular, o que resulta em contrações dissincrônicas.   
A frequência cardíaca e o ritmo tem alterações em:
·         Bradiarritmias: disfunção do nó-sinusal, anormalidades de condução)
·         Taquiarritmias: ritmos ineficazes, taquicardia crônica.
Fluxo sanguíneo miocárdico e necessidade de oxigênio: a isquemia miocárdica está associada a um rápido declínio da função contrátil. Ao mesmo tempo a taquicardia, a pós-carga aumentada e uma hipertrofia ventricular esquerda substancial aumentam as necessidades miocárdicas de oxigênio.
Síndrome da insuficiência cardíaca:  a síndrome da IC é multifacetária com diversas apresentações. As manifestações iniciais da disfunção hemodinâmica são redução no volume de ejeção e elevação das pressões de enchimento ventriculares. Estas alterações apresentam efeitos em cascata dos reflexos cardíacos e na perfusão de órgãos sistêmicos que estimulam uma série de respostas compensatórias interdependentes envolvendo o sistema cardiovascular, os sistemas neuro-humorais e renal.
·         Sistema nervoso simpático: a ativação inicial do SNS se deve a ativação de barorreceptores pela baixa pressão de pulso. O papel adaptativo da norepinefrina é de aumentar a FC e a contratilidade cardíaca. Níveis elevados de norepinefrina plasmática estão associados a pior prognóstico.
·         Vasopressina: ocorre maior liberação de vasopressina pela neurohipófise devido a baixa perfusão.
·         Sistema renina angiotensina aldosterona: elementos deste sistema são ativados em um momento relativamente precoce na IC. Os mecanismos presuntivos de indução incluem: 1)hipoperfusão renal, 2) estimulação do sistema β-adrenérgico e 3) hiponatremia. Mecanismos estes que podem se acentuar com terapias diuréticas.
Ø  Angiotensina II: aumenta o fluxo sanguíneo pela vasoconstrição.
Ø  Aldosterona: causa retensão de sódio.
Tais alterações são deletérias pois a vasoconstrição excessiva deprime a função ventricular esquerda e a retenção de sódio piora as pressões de enchimento de ventrículo esquerdo já elevadas
·         Remodelamento ventricular esquerdo:o ventrículo esquerdo dilata-se progressivamente, alterando seu formato elipsoide normal para uma geometria mais esférica. Este remodelamento é acompanhado por alterações no interstício cardíaco levando a uma alteração na orientação das miofibrilas e fibrose progressiva. O resultado é uma contração menos coordenada e eficaz. Os IECA e β-bloqueadores detém ou revertem este processo de remodelamento prevenindo a dilatação ventricular esquerda, a distorção geométrica e a deterioração da função contrátil.



Manifestações clínicas

A IC pode apresentar-se agudamente de maneira nova, crônica ou como exarcebação aguda da crônica.

a)    Descompensação aguda da insuficiência cardíaca:
Ø  Com IC crônica previamente diagnosticada: a maioria dos episódios de piora aguda da IC ocorre em pacientes com sintomas previamente reconhecidos de IC crônica. Os pacientes com tais descompensações podem apresentar dispneia geralmente após um período de retenção de líquido ou sinais de congestão, manifestados pelo agravamento do edema e por algum grau de agravamento da dispnéia.
Fatores precipitantes da descompensação aguda da IC
Modificação de medicamentos, dieta ou atividade.
Condições cardiovasculares novas ou alteradas superpostas (arritmias, eventos isquêmicos, hipertensão ou anormalidades valvares)
Processos sistêmicos (febre, infecção e anemia)


Ø  Sem história prévia de IC: outros fatores precipitantes devem ser investigados como: IAM, taquiarritmias, anormalidades valvares previamente não reconhecidas ou novas.
b)    IC crônica
Ø  IC do lado esquerdo e direito: a maioria dos pacientes apresenta anormalidades esquerdas como causa subjacente. No entanto, a apresentação clínica pode ser variável as vezes sugerindo predominantemente ou até mesmo exclusivamente disfunção ventricular direita.
o   IC esquerda: estão relacionadas a: 1) pressão de enchimento elevadas e 2) débito  cardíaco inadequado.
1)    Pressão de enchimento elevada: resulta em dispneia – eventualmente em repouso, mas geralmente associado à atividade – e, quando grave, leva a edema pulmonar classicamente associado a estertores e possíveis derrames pleurais.
2)    Débito cardíaco: pode ser insuficiente para suportar a função dos órgãos periféricos, causando fadiga muscular ao esforço, função renal e excreção de sal prejudicadas, ou depressão do estado mental.
o   IC direita: resulta de uma sobrecarga ventricular direita crônica (ex. hipertensão pulmonar resultante de cor pulmonale ou doença vascular pulmonar) ou de uma disfunção intrínseca do ventrículo direito ou das suas valvas. A causa mais comum, no entanto é a disfunção do coração esquerdo que causa hipertensão pulmonar. Manifestações possíveis são: distensão venosa jugular, edema periférico, ascite, edema hepático e intestinal e queixas gastrointestinais variadas.
Ø  IC com função sistólica preservada: ainda que existam varias causas potenciais de IC com função sistólica preservada, a maioria dos pacientes tem hipertensão ou história de hipertensão tratada. A resultante hipertrofia ventricular esquerda e o aumento da fibrose provavelmente são responsáveis pelo aumento na rigidez da câmara. O próprio envelhecimento constituí fator predisponente crucial visto que leva a uma perda de miócitos por apoptose, aumento de fibrose com desvios para formas mais rígidas de colágeno e a uma perda da complacência vascular.





Diagnóstico

a)    Avaliação clínica: os sintomas mais comuns são dispneia e fadiga. Porem, estes sintomas não são específicos para IC, principalmente quando falamos da população idosa. Os sintomas mais específicos são: ortopneia, dispneia paroxística noturna e edema.
Ø  Dispneia: é o sintoma mais comum em pacientes com IC. Na maioria, ocorre apenas na atividade ou esforço. O mecanismo mais importante é a congestão pulmonar com líquido intersticial ou intra-alveolar aumentado que ativa os receptores J justacapilares, estimulando um padrão rápido e superficial de respiração. Em casos de IC avançada a respiração com padrão de Cheyne-Stokes pode ocorrer.
Ø  Fadiga: é uma queixa comum. A origem mais provável e a fadiga muscular. Também pode ser uma queixa inespecífica às manifestações sistêmicas da insuficiência cardíaca, como aumentos crônicos nas catecolaminas e nos níveis circulantes de citocinas, distúrbios do sono e ansiedade.
Ø  Ortopneia e dispneia paroxística noturna: ambos ocorrem ao deitar, pois ocorre aumento do retorno venoso. A diferença é que a ortopneia ocorre imediatamente ao assumir a posição de decúbito e a dispneia paroxística noturna ocorre 1 a 3 horas após deitar-se.
Ø  Intolerância ao exercício: ocorre tanto por falta de oxigenação sanguínea como pela perfusão ineficiente da musculatura esquelética.
Ø  Edema e retenção de líquidos: as pressões atriais direitas elevadas aumentam as pressões hidrostáticas capilares na circulação sistêmica, com uma resultante transdução. O edema de mmii geralmente é mais proeminente durante o dia e diminuí pela noite quando a posição de supina facilita a drenagem.
O líquido pode também se acumular na cavidade pleural, pericárdica e peritoneal. A ascite ocorre com resultado de pressões elevadas nas veias hepáticas, portais e sistêmicas que drenam o peritônio. Mais comumente ocorre uma insuficiência tricúspide grave, com danos potenciais ao fígado.
Ø  Sintomas abdominais e gastrointestinais: a congestão passiva do fígado pode levar à dor no quadrante superior direito e a uma discreta icterícia. O edema na parede intestinal pode levar a saciedade precoce, náusea, desconforto abdominal difuso, má absorção e uma forma de enteropatia perdedora de proteínas.
Ø  Distúrbios do sono e manifestações do SNC: períodos de dessaturação noturna de oxigênio menores que 80% a 85% podem levar a apneia.
Na IC avançada a hipoperfusão cerebral pode causar prejuízos à memória, irritabilidade, duração limitada da atenção e alteração do estado mental.
b)    Achados no exame físico: refletem pressões de enchimento ventricular elevadas e em menor extensão DC reduzido.
Ø  Aparência: na IC compensada o paciente estará confortável. Na descompensada o paciente estará agitado.
Ø  Sinais vitais: FC geralmente está aumentada ou próxima ao limite superior porem pode estar normal em pacientes estáveis, as extrassístoles ou arritmias são comuns. A PA pode ser normal ou alta porem em estados avançados estará próxima ao limite inferior ou abaixo deste.  
Ø  Veias jugulares e exame do pescoço: a sobrecarga de coração direito principalmente é expressa ingurgitamento jugular patológico.
Ø  Exame pulmonar: pode ocorrer crepitações demonstrando edema pulmonar.
Ø  Exame cardíaco: avaliar o deslocamento do ictus abaixo do 5° EIE e lateral à LHC. Elevação paraesternal é indicativa de hipertensão pulmonar. B1 pode estar diminuída em amplitude quando a função ventricular esquerda é ruim e o componente pulmonar da segunda bulha pode ser acentuado no caso de hipertensão pulmonar. A presença de B3 apical indica insuficiência ventricular esquerda. B3 na região do apêndice xifoide indica insuficiência direita. Sopro pode sugerir doença valvar.
Ø  Exame do abdome e extremidade: o tamanho, a pulsatilidade e dor na região hepática devem ser avaliados como evidências de congestão passiva e de insuficiência tricúspide.
c)    Exames complementares:
Ø  Eletrocardiograma: deve ser realizado na avaliação inicial em todos os pacientes com IC. Fibrilação atrial e sobrecarga atrial e/ou ventricular esquerda são achados eletrocardiográficos comuns em pacientes com IC. Bloqueio de ramo esquerdo e zona inativa em parede anterior, por outro lado, são bons preditores de disfunção sistólica. O eletrocardiograma é fundamental para o diagnóstico de bradiarritmias e taquiarritmias (principalmente fibrilação ou flutter atrial), que podem ser a causa ou fator precipitante de IC. Etiologia isquêmica pode ser suspeitada pela presença de zonas inativas, enquanto que bloqueio de ramo direito, isolado ou associado a bloqueio divisional ântero-superior esquerdo, sugere fortemente o diagnóstico de cardiopatia chagásica em pacientes com epidemiologia positiva.
Ø  Radiografia de tórax: deve ser realizado em PA e perfil em todos os pacientes com suspeita de IC. É sugestiva quando o IC for > 0,5.
Ø  Avaliação laboratorial:

Ø  BNP: O peptídeo natriurético do tipo B (BNP) é um polipeptídeo liberado pelos miócitos ventriculares em resposta à sobrecarga de volume, sobrecarga de pressão e aumento da tensão parietal. Tanto a sua forma fisiologicamente ativa, o BNP, quanto o seu bioproduto inativo, o N-terminal pró-BNP podem ser confiavelmente dosados. Diversos estudos têm demonstrado a sua grande utilidade na avaliação de pacientes com suspeita diagnóstica de IC na sala de emergência e em nível ambulatorial. Pode também ser utilizado para guiar o tratamento.
Ø  Ecocardiograma:

O parâmetro mais importante para quantificação da função sistólica de VE é a fração de ejeção, fundamental para diferenciar a IC diastólica da IC sistólica e para definir tratamento. Análise da função diastólica do VE, realizada através do fluxo mitral, fluxo de veia pulmonar e doppler tecidual do anel mitral pode ser de grande utilidade na confirmação diagnóstica de IC diastólica.

Classificação
a)    Funcional: NYA

b)    Por estágios:


c)    Anterógrada e retrógrada:
Ø  Retrógada: chama-se de insuficiência retrograda a sequencia de eventos que a partir do coração levam a congestão do leito vascular pulmonar e venoso sistêmico. A partir de uma incapacidade do coração se esvaziar completamente ocorre um volume residual ao final da diástole. O aumento de volume leva ao aumento da pressão diastólica final. O aumento da pressão diastólica ventricular terá como consequência o aumento do volume e das pressões atriais. A pressão venosa e capilar aumentam, levando a transudação seja em leito pulmonar ou leito sistêmico.
Ø  Anterógrada:  baseia-se no mecanismo onde o baixo débito cardíaco será responsável por má perfusão tecidual, incluindo cérebro, músculos e rins. O baixo débito renal leva a retenção de sódio e água.



Um comentário:

  1. Excelente artigo! Parabéns! Se puder, disponibilize a bibliografia. Obrigada!

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